O público como jornalista: voz à comunidade ou manipulação?


‖ ‖ ‖ Jaderson Souza ‖ ‖ ‖

 

Em fevereiro deste ano, Rede Globo iniciou no Rio de Janeiro o projeto “Parceiros do RJTV”. A iniciativa consiste na exibição de reportagens feitas por 16 telespectadores previamente selecionados pela emissora carioca. Eles vêm de diferentes classes sociais e níveis de instrução, são separados em duplas e recebem uma câmera. O processo é supervisionado por jornalistas da emissora. A Globo tem a intenção de implantar esse projeto em São Paulo e Brasília.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Munícipio do Rio de Janeiro e Associação Profissional dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Estado do Rio de Janeiro (Arfoc) protesta contra a iniciativa, alegando que a Globo está utilizando mão-de-obra barata e tirando o lugar de profissionais especializados. A Globo rebate a acusação e diz que o projeto pretende “dar voz à comunidade”.

A popularização de dispositivos de reprodução tem sido determinante para que esse quadro se configure. Hoje, é muito fácil adquirir uma filmadora, um gravador de voz ou um celular com câmera. Ao caminhar pela cidade e deparar-se com algum fato inusitado, alguém pode ter recursos suficientes para registrar esses momentos e, depois, disponibilizá-lo por meio da internet, mídia impressa ou, nesse caso, a televisão.

No Brasil, outro fato importante foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2009 que dispensa a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão de jornalista. Para muitos veículos de comunicação, esta foi a senha para legitimar a presença de profissionais que não eram formados ou tinham algum outro tipo de especialização. Um exemplo que pode ser citado é o dos médicos e psicólogos que escrevem artigos para jornais em todo o Brasil. Ainda que alguns possuíssem uma extraordinária capacidade de se comunicar, eles se esbarravam nessa barreira burocrática que os impedia de exercer qualquer tipo de colaboração.

Porém, a lei pode ser usada como um suporte para o emprego de iniciativas como as da TV Globo, que instrumentaliza pessoas comuns para que elas tragam material jornalístico. Há de se ressaltar que a emissora carioca não é a única que se utiliza dessa ação que torna o público participante da notícia.

O programa CQC, exibido na TV Bandeirantes, têm os chamados “quadros de utilidade pública”, nos quais os telespectadores enviam para o programa (normalmente via internet) registros que contenham algum tipo de queixa em relação ao poder público. Nesse caso, a produção do programa recebe o material e, depois de uma análise, envia os seus próprios repórteres para fazer a cobertura do fato.

Ainda que o CQC possa não ser tachado de programa jornalístico, a sua conduta parece ser mais adequada nessa situação. É legítima a manifestação de todas as classes sociais de todas as localidades possíveis: afinal de contas, as ambições e necessidades da população devem ser imperativamente pauta para o jornalismo. Mas daí a permitir que todos possam veicular material jornalístico e defender isso chega a beirar a hipocrisia. Falta às pessoas (e até mesmo aos recém-formados) uma base teórica que não pode ser desprezada, principalmente na hora de buscar informações com as fontes, ávidas por algum tipo de interesse e com um grande poder de manipulação, sobretudo as fontes oficiais.

A manipulação pode partir também dos veículos de comunicação que podem utilizar as notícias com intuito político. Como diz o ditado: “a primeira impressão é a que fica” (e fica mesmo). Sabendo disso, a mídia pode distorcer a matéria, de modo que o mal-entendido não consiga ser desfeito antes de causar estragos ao inimigo político da mídia. Nada mais apropriado para isso do que usar jornalistas amadores que não tem o “jogo de cintura” e autonomia necessárias para pedir um enfoque determinado para as notícias veiculadas.

A comunidade e os veículos de comunicação devem atuar de forma conjunta nesse processo para que não haja prejuízo para as duas partes. Primeiramente, o objetivo tem que ser a solução dos problemas apresentados. O uso com segundas intenções pode afetar a credibilidade da notícia e dos atores envolvidos nesse processo, sejam eles jornalistas, fontes, poder público e, até mesmo, a comunidade.