‖ ‖ ‖ Maria Inez Mateus Dota ‖ ‖ ‖
Se compararmos o número de matérias do jornal The New York Times (versão on-line) dedicadas à cobertura das eleições presidenciais brasileiras de 2010 com a cobertura das eleições de 2006, verificamos que em 2010 esse número foi muitas vezes menor. Isso vai ao encontro de um dos critérios de noticiabilidade – a proeminência da pessoa envolvida -, uma vez que em 2006, um dos candidatos, Luiz Inácio Lula da Silva, já possuía inserção no noticiário internacional de jornais estrangeiros.
Embora o New York Times tenha dedicado pouco espaço às últimas eleições, a figura do então presidente Lula está presente em nove das dez notícias que cobrem essa disputa nos noventa dias que a antecederam, como a força política que impulsiona a candidata Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT). Nesse sentido, o objetivo deste comentário é apontar quais os recursos discursivos utilizados pelo periódico para inserir a figura do então presidente, ao apontar para seus leitores quem é a candidata apoiada por ele, e quais os sentidos produzidos com as contextualizações efetuadas.
Um dos aspectos apontados é que a candidata Dilma Rousseff foi “escolhida a dedo para suceder” Lula, uma expressão coloquial que permite ao jornal mostrar a estreita ligação da candidata com o presidente em exercício e, ao mesmo tempo, aproximar-se da linguagem de seus leitores. Também nessa linha do estilo coloquial, o periódico aponta a candidata do governo “valendo-se do prestígio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que provavelmente sairá como o presidente mais popular do país” – afirmação que aponta a candidata aproveitando-se da alta popularidade de Lula naquele momento em que concorre à Presidência.
Perfil de Dilma
Outra característica trazida à tona sobre o perfil da candidata Dilma Rousseff, em comparação a Luiz Inácio Lula da Silva, é falta de carisma dela. Assim, pelo uso de uma argumentação adversativa em relação a uma qualidade constatada, aponta-se que a candidata é uma “competente administradora, mas não tem o tipo de carisma sedutor que ajudou a tornar o sr. da Silva tão popular.” Segundo o periódico, essa característica da candidata interferiria em sua política externa, pois ela “tem mostrado pouca inclinação para circular pelas arenas diplomáticas globais onde o sr. da Silva fez seu nome e o de sua nação.”
Essa informação é recorrente nas matérias veiculadas na cobertura do New York Times, em que a candidata do PT é mostrada sem o carisma e as habilidades de Lula, mas tendo “o popular presidente e suas realizações a seu favor”. O apoio explícito do presidente em exercício é, às vezes, ironizado pelo jornal, asseverando que Lula “trombeteou as realizações de seu governo e passou alguns dos créditos para a sra. Rousseff”.
Também pela ironia, a candidata Dilma Rousseff é apontada como a solução para o fato de que Lula não poderia concorrer a um terceiro mandato consecutivo: “Proibido por lei de concorrer a um terceiro mandato, o sr. da Silva tocou a sra. Rousseff, colocou sua aura ao redor dela e se tornou seu mais barulhento e mais apaixonado torcedor.” Nesse sentido, a eleição de Dilma Rousseff é colocada pelo periódico como um teste para o presidente em exercício. Mesmo após ter sido acometida por um câncer, “o presidente permaneceu fiel a ela, fez campanha vigorosa para ela e manobrou para fazer da eleição essencialmente um referendo sobre seus anos no cargo.”
Segundo o jornal, o tema da candidata do PT é “sua fidelidade às políticas do sr. da Silva”, o que, pelo implícito, a apresenta sem propostas próprias para o exercício da presidência. Nessa linha, intertextualmente – citando o então presidente – , o New York Times indica uma estratégia de campanha de Lula em favor de Dilma Rousseff: “Ela não apenas continuará o meu legado mas o aperfeiçoará e fará muito mais.”
Lula e a economia
Em diversos momentos de sua cobertura, o jornal informa sobre a situação econômica estável do Brasil conseguida durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o que favorece a candidata por ele indicada e justifica sua possível vitória: “A eleição deste ano é sobre continuidade, e poucos brasileiros parecem querer arriscar perturbar o momento econômico que o governo do sr. da Silva construiu durante oito anos.” Assim, mesmo indicando pontos negativos da candidata – “falta de experiência política e charme público” -, o periódico constata que “ela está ancorada numa onda de prosperidade e otimismo no Brasil sob a liderança do sr. da Silva.” Nessa direção, a estratégia de campanha mostrada é a do presidente em exercício: “A sra. Rousseff agiu corretamente no primeiro turno, enfatizando os sucessos do governo, mas deixando o sr. da Silva fazer a maior parte do discurso no decorrer da campanha.”
Os dois atores políticos – Dilma Rousseff e Lula – são também comparados com relação à sua origem familiar e a educação recebida. Dilma, no dizer do New York Times, veio de uma família de classe média e teve uma educação de elite, enquanto Lula cresceu numa família pobre e cursou apenas até o quarto ano do ensino fundamental. Como outras lideranças femininas da América Latina, de acordo com o jornal, Dilma saiu “de família relativamente privilegiada e educada (ao contrário de Lula, que saiu da pobreza para o topo).”
Uma vez eleita, o New York Times afirma que Dilma Rousseff não é uma “cópia carbono” de Lula e que ela o ajudou quando o Chefe de Gabinete anterior teve de deixar o cargo: “Em 2005, quando um escândalo de compra de votos envolvendo José Dirceu, o Ex-chefe de Gabinete, ameaçou abater a Presidência, ela entrou para substituir o sr. Dirceu e ajudou a colocar o governo de volta no seu curso, os analistas disseram.” Nesse mesmo momento após a eleição, sua força pessoal é mencionada pelo jornal: “ela desenvolveu uma reputação de ter um estilo duro, frequentemente exigente, com a mídia noticiosa chamando-a de Dama de Ferro.”
Conclusões
Retomando os pontos acima comentados, observa-se que o New York Times apresenta a candidata Dilma Rousseff como uma escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, impulsionada pela força e popularidade dele e fiel às políticas implementadas por ele. Em termos de estratégias de campanha, um está ao lado do outro, o que, juntamente com a forma estridente com que o presidente faz campanha, é ironizado pelo jornal. O desempenho de Dilma Rousseff nas eleições é mostrado como um referendo da atuação do governo Lula, com uma economia estável, uma vez que o então presidente não poderia concorrer por uma terceira vez consecutiva. Após vencer o pleito eleitoral, outras qualidades pessoais positivas da candidata são apontadas: seu estilo firme e exigente.