‖ ‖ ‖ Por Mariane Bovoloni ‖ ‖ ‖
Em 5 de maio, o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo enquadramento da união gay no que a Constituição Federal brasileira considera “entidade familiar”, o que assegura os mesmos direitos de casais heterossexuais para homossexuais em união estável. Logo após a decisão da Corte, meios de comunicação como os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo e o Portal G1 divulgaram a notícia em seus sites. A matéria do Portal R7 sobre o assunto foi divulgada na manhã do dia seguinte. Com o título “STF reconhece por unanimidade a união gay”, a Folha de S. Paulo destacou a unanimidade da votação. No entanto, deixou claro o reconhecimento da equiparação entre a união homossexual e a heterossexual, termo diferente de “igualdade”. Aponta que, por seu “efeito vinculante”, a decisão alcança toda a sociedade.
A matéria apresenta os argumentos que os dez ministros utilizaram para justificar seus votos. Os mais comuns são contra o preconceito e a intolerância, além da luta pela dignidade humana e igualdade de direitos. A Folha destaca que dois ministros, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, foram os únicos a apresentar ressalvas quanto às questões em pauta. O primeiro teria considerado que há limitações em se considerar a união homoafetiva como uma “entidade familiar”, já que há direitos exclusivos de casais heterossexuais.
No entanto, ele não teria especificado quais seriam. Já Mendes teria afirmado que existiriam divergências quanto aos direitos homossexuais, mas que seu voto se limitaria a “reconhecer a existência legal da união homoafetiva por aplicação analógica do texto constitucional”. Por não terem sido especificadas pelos próprios ministros, tais ressalvas não foram exploradas na matéria. No caso do ministro Celso de Mello, a matéria expõe sua afirmação de que questões jurídicas não poderiam se confundir com questões de caráter moral ou religioso “porque Brasil é um país laico”. Os direitos que casais gays passam a ter não são detalhados. A matéria cita apenas a pensão, a herança e a adoção.
A Folha afirma que é a primeira vez que o STF analisa se a união homoafetiva pode se enquadrar no “regime jurídico de união estável” e ser considerada como “entidade familiar”. A primeira ação que teria motivada a discussão seria de fevereiro de 2008, em que o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pedia o reconhecimento de uniões estáveis entre servidores públicos gays do Estado. A segunda, de julho de 2009, seria de autoria da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, e queria o reconhecimento da união gay como entidade familiar.
No Portal G1, a matéria não detalha e os direitos adquiridos pelos casais homossexuais. Apenas cita os mesmos fatos da matéria anterior, como a unanimidade da votação e seu efeito vinculante nos tribunais de instância inferior. As ressalvas feitas pelos dois ministros, no entanto, ganha maior destaque. Para eles, não estaria entre as funções da Corte “se posicionar sobre os efeitos da decisão” e que o Congresso Nacional estaria em ‘inércia’ quanto a garantir os direitos dos homossexuais. Por fim, a matéria considera que a decisão é um passo importante na luta contra o preconceito e a violência.
O jornal O Estado de S. Paulo traz uma informação que diverge do que foi divulgado pelos demais meios: “Casamento civil entre pessoas do mesmo sexo será permitido; gays poderão adotar filhos e registrá-los”. As matérias da Folha e do Portal R7 sustentam que o casamento civil ainda não foi permitido. Com relação aos direitos adquiridos, o Estado divulga mais que os outros veículos analisados. Cita o direito ao recebimento da pensão alimentícia, à herança, o direito a se incluir como dependente nos planos de saúde, adotar filhos e registrá-los. A matéria afirma que, antes da decisão, os casais gays em regime de união estável eram tratados como “sociedade de fato, como se fosse um negócio” e, agora, serão tratados como “entidade familiar”.
A abordagem que o Portal R7 dá à matéria é diferente dos três meios anteriores. No título, o destaque não recai sobre a unanimidade da decisão, mas sobre os direitos conquistados: “Casais gays conquistam 112 direitos com decisão do STF”. No entanto, ao longo da matéria, tais direitos não são explorados. A matéria apresenta o que foi decidido na Corte assim como nas outras matérias, com a união gay sendo reconhecida como “entidade familiar”. Entre os direitos, que antes seriam exclusivos de casais heterossexuais, a matéria cita: “comunhão de bens, pensão alimentícia, pensão do INSS, planos de saúde e herança”. No entanto, destaca que, por envolverem decisões da Justiça, os casais homossexuais deverão recorrer aos tribunais para cobrar o cumprimento.
O portal também destaca os argumentos de cada um dos ministros, a maioria defendendo que o preconceito e a violência contra cidadãos, independente de sua orientação sexual, devem ser banido da sociedade. Mas os argumentos divergentes recebem mais destaque que nas matérias anteriores. Por exemplo, cita que o decano do STF, Celso de Mello, separou em seus argumentos a “religião dos direitos que devem ser garantidos pelo Estado”. Há referência a esta sua fala: “Os homossexuais têm direito de receber a mesma proteção das leis e do sistema jurídico”. Porém, embora o subtítulo seja “religião”, o tema não é mais abordado.
O ministro Ricardo Lewandowski teria concluído que alguns direitos seriam exclusivos de casais heterossexuais. A matéria afirma que o ministro não especificou tais direitos, então ela conclui por si própria. “Por exemplo, pelo seu voto, pode-se supor que o casamento civil estaria proibido na união homoafetiva”. Ou seja, a matéria concluiu que o ministro teria se referido ao casamento civil. Além disso, afirma que ele teria citado o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal. Segundo a matéria, a “norma diz textualmente que a união estável se dá entre homem e mulher”. A opção em focar o casamento civil em apenas homem e mulher, segundo o ministro, teria sido “opção clara do legislador”. A questão do casamento civil ocuparia o centro das divergências entre os ministros. “A única dúvida que restou após o julgamento é sobre a figura do casamento”. O texto cita o artigo 226 da Constituição e pretende deixar claro que a união civil seria apenas entre homens e mulheres. Inclusive, cita uma advogada como fonte que consideraria o artigo “confuso”. O problema estaria no fato de que muitos casais, ao se registrarem no civil, envolvem uma aprovação religiosa. “Há toda uma formalidade que não existe na união estável. Mas isso ainda será fruto de muita discussão na Justiça”.
Percebemos que, prejudicando o jornalismo de qualidade, nenhuma das matérias aborda a aprovação do STF com contextualização adequada. Pelo contrário. Duas delas citaram com detalhes a justificativa de cada um dos ministros ao dar seu voto, fato que não seria de tanta relevância se comparado a outros que foram esquecidos. Ao ler as quatro matérias, restam dúvidas sobre o impacto social da decisão. Em um país em que os homossexuais sofrem preconceito, discriminação e violência física diariamente, o que representa a aprovação desses direitos? Enfim, seriam necessárias abordagens mais contextualizadas para o leitor não apenas se informar sobre o fato, mas compreendê-lo sob uma perspectiva mais ampla e, a partir daí, tirar conclusões próprias.