‖ ‖ ‖ Por Aline Camargo ‖ ‖ ‖
A imprensa tem o potencial de agendar temas e indicar relevâncias, podendo gerar discussões sobre determinados temas e apontar enquadramentos. Jornalistas e veículos desenvolvem este papel no exercício diário da profissão, mas em alguns casos a influência da mídia na opinião pública pode causar problemas, como a condenação precoce de pessoas consideradas suspeitas pelo Estado, mas logo culpadas pela mídia.
Isabella Nardoni
Um dos casos emblemáticos é o da menina Isabella Nardoni, encontrada morta no dia 29 de março de 2008 no jardim da casa de seu pai. A matéria publicada pela Folha de S. Paulo no dia seguinte à morte da menina ainda não declarava o casal como suspeito, mas esse cuidado não durou muito na mídia.
Já no dia 9 de abril de 2008 a revista Veja aponta Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá como “os principais suspeitos da morte da menina”. Alguns trechos apontam para a acusação do pai como envolvido no caso: a “polícia levanta sérias dúvidas sobre a versão do casal. Com base nos depoimentos colhidos durante a semana e nos resultados preliminares da perícia, os responsáveis pela investigação reconstituíram o crime colocando o casal suspeito na condição de assassinos”.
A revista, sem provas, aponta: “Isabella teria sido agredida por um dos dois ainda no carro, no trajeto para casa, e chegado ao apartamento já bastante machucada, a ponto de sangrar em abundância (vestígios de sangue foram encontrados no interior do carro, na maçaneta da porta de entrada do apartamento e em diversos cômodos da casa). A polícia cogita a possibilidade de a agressão ter continuado no apartamento e de a voz de criança que gritava “para, pai, para” ser do irmão de 4 anos, pedindo que cessasse a agressão a Isabella”.
A publicação parece acusar precipitadamente o casal, mas isso não ocorre de maneira clara. “Ao jogá-la pela janela estariam tentando acobertar o que já supunham ter sido um assassinato. Essa possibilidade é chocante, e o dano ao casal será irreparável caso não se prove a culpa deles. Por essa razão, ela só será adotada oficialmente pela polícia se as evidências forem mesmo conclusivas”. Apesar de essa ainda não ter sido adotada como versão oficial pela polícia, a imprensa, ao abordar o fato, a tratava como tal.
Já no dia 23 de abril de 2008, menos de um mês depois da morte de Isabella, a revista publicou reportagem intitulada “Frios e dissimulados”. O casal havia sido indiciado pela polícia e a revista já o apontava como culpado: “pai e madrasta mataram Isabella”. O tempo verbal utilizado na construção da narrativa muda. “Anna Carolina Jatobá asfixiou Isabella ainda no carro, no trajeto entre a casa dos pais dela e o apartamento da família. A menina ficou inconsciente e o casal achou que ela estava morta”.
Não apenas a Veja abordou o tema e condenou precipitadamente o casal, que até então era suspeito e hoje é considerado culpado pela Justiça. O jornal Diário de S. Paulo trouxe manchete com uma suposta fala da garota que pediria socorro ao pai: “Para, pai! Para, pai!”
O Fantástico, da Rede Globo, transmitiu a reconstituição do crime. O casal, ainda na condição de indiciado, deu entrevista ao programa com duração de aproximadamente 35 minutos. O apresentador Zeca Camargo, na introdução da entrevista, fala em tom irônico sobre a emoção do casal ao dar a entrevista e completa: “Agora você, telespectador, pode avaliar a sinceridade do pai e da madrasta da menina Isabella”. O apelo emotivo do caso ainda foi mais forte com entrevista da mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira.
A Folha de S. Paulo publicou no dia 18 de abril de 2008 matéria que apontava o crescimento da audiência dos telejornais em até 46%. O alto índice foi atribuído à grande exposição do caso pela imprensa.
Em 26 de novembro, após 200 dias da prisão do casal, a Veja publica novamente matéria que trata do assunto. Dessa vez, detalhes da rotina na prisão são abordados, como os alimentos recebidos pelo pai de Ana Jatobá, que, “em dificuldades financeiras, leva para ela poucas provisões”; “Antonio Nardoni e a mulher chegam carregados com uma caixa e sacolas de frutas, bolachas, chocolates, refrigerantes e outras guloseimas para o filho dividir com a cela toda”.
A revista investigou a família e a vida do casal, e apresentou a informação com orgulho: “Para saber como vivem hoje o pai e a madrasta de Isabella, VEJA ouviu ao longo de um mês 28 pessoas, entre pais, amigos e advogados dos acusados, além de parentes de detentos e funcionários das prisões onde eles se encontram”.
O portal G1 fez uma cronologia dos fatos ocorridos e tratou o fato com ênfase: A página do portal no dia do julgamento e condenação do casal, 27/03/10, abordou exclusivamente o fato, com matérias como: “Mulher do Promotor do caso é a nova chefe da Defensoria Pública”; “Homenagem une promotor e advogado, os dois estudaram na mesma faculdade”; e “A Justiça está feita, mas minha filha não volta” (declaração de Ana Oliveira, mãe de Isabella).
Além da expor de maneira precipitada os fatos e criar apelo emotivo, os veículos personificaram os atores, como o promotor do caso, Francisco Cembranelli, apresentado pela mídia como o herói do caso.
Goleiro Bruno
No caso do desaparecimento de Eliza Samudio, a condenação por parte da imprensa de Bruno, ex-goleiro do Flamengo, foi tão rápida e visível quanto no caso de Isabella Nardoni.
A mídia, em busca por um fato que ligasse o goleiro ao desaparecimento e provável morte de Eliza, divulgou um vídeo em que ele deu uma declaração sobre outro caso.
Eliza foi representada de diversas maneiras pela imprensa. Antes de desaparecer, foi tratada como garota de programa; depois, passou a ser chamada de amante do goleiro. Mais tarde, com a possibilidade do assassinato, Eliza passa a ser chamada de ex-namorada de Bruno.
Com o decorrer do caso fica clara a inversão de personagens. Bruno passa de goleiro bem sucedido a assassino, e Eliza passa de prostituta a ex-namorada de Bruno, que tinha o sonho de ser modelo, como na matéria do portal R7.
Depois que o caso virou manchete dos principais veículos de comunicação, qualquer movimentação no caso ou mesmo questões sem aparente importância viraram notícia e ganharam relevância nos jornais, como o anúncio da venda do sítio de Bruno, em que Eliza teria estado antes de desaparecer.
Com a falta de novidades sobre o caso, o relacionamento conturbado do goleiro com várias mulheres e o filho do casal ganharam destaque em duas matérias do Último Segundo, que podem ser tidos como exemplos da influência e irresponsabilidade da mídia ao pautar e enquadrar temas que, além de causar polêmica, podem influenciar negativamente, condenando pessoas de maneira injusta e usando a espetacularização para ter audiência, alcançando assim aquele que parece, por vezes, ser seu único objetivo.