Os diferentes enquadramentos do MST


Amanda Pioli Ribeiro


Analisamos uma matéria do portal R7 do dia 31 de março deste ano e a matéria de capa da revista Veja de 2 de setembro de 2009, que são exemplos importantes para o estudo do enquadramento dado ao MST pelos meios de comunicação.

Na matéria do portal, intitulada “MST inicia marcha para cobrar assentamentos no RS”, a proposta é explicar ao leitor o que foi essa marcha e qual o motivo dela ter ocorrido. Eram 250 sem-terras acampados no Parque de Exposições de Palmeira das Missões – os mesmos que haviam ocupado uma fazenda duas semanas antes. O portal destacou o objetivo do grupo de cobrar o cumprimento de um acordo firmado em 2007 com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que previa o assentamento de todas as famílias acampadas, dentro do prazo de um ano.

Na matéria, o Incra afirma que os assentamentos acordados já teriam sido concluídos.  O superintendente regional do órgão, Roberto Ramos, alegou que a definição de novas metas de assentamentos dependeria da disponibilização de recursos pelo Incra nacional. A matéria termina expondo como foi a marcha: “No primeiro dia da marcha, os sem-terra se deslocaram por 22 quilômetros, sendo seis a pé e 16 de ônibus. O grupo passaria a noite em um pavilhão comunitário em Novo Barreiro. A próxima etapa, de nove quilômetros, até Barra Funda, deve ocorrer nesta sexta-feira (1º). Se não chover, o deslocamento será feito a pé”.

O portal R7 narra os fatos e os contextualiza: quais pessoas integram a manifestação, o que querem e estão fazendo, referindo-se a elas com expressões como “ocuparam”, “acamparam” e “marcharam”.

Já a revista Veja traz, sob o título “Por dentro do cofre do MST”, uma análise sobre o destino do dinheiro do movimento. Com acesso à suposta documentação da movimentação bancária de grupos ligados ao MST, a matéria sustenta de onde vem o dinheiro e todos os alegados “maus” usos dele.  Sob o título, a revista avalia qual seria o principal uso do dinheiro: “Elas [as movimentações] revelam como o governo e organizações internacionais acabam financiando atividades criminosas do movimento”.

A revista enumera de onde teria vindo o dinheiro. “As quatro entidades-cofre receberam 20 milhões de reais em doações do exterior entre 2003 e 2007. A contabilização desses recursos não foi devidamente informada à Receita Federal. (…) As quatro entidades-cofre repassaram uma parte considerável do dinheiro a empresas de transporte, gráficas e editoras vinculadas a partidos políticos e ao MST. Há coincidências entre as datas de transferência do dinheiro ao Brasil e as campanhas eleitorais de 2004 e 2006”.

O veículo indica as supostas finalidades do dinheiro. “Entre 2003 e 2008, segundo levantamentos oficiais, cerca de trinta entidades de trabalhadores rurais receberam do governo federal o equivalente a 145 milhões de reais. O dinheiro é repassado em forma de convênios, normalmente para cursos de treinamento”. Os personagens são caracterizados por sua alegada ligação com o MST. “Teoricamente, a Anca, a Concrab, o Cepatec e o Itac são organizações independentes, sem nenhum vínculo oficial entre si ou com o MST. Mas só teoricamente. (…) Em outras palavras, ao ocupar um ministério, invadir uma fazenda, patrocinar um confronto com a polícia, o MST o faz com dinheiro de impostos pagos pelos brasileiros e com o auxílio de estrangeiros que não deveriam imiscuir-se em assuntos do país”.

Em uma opção editorial, os valores apresentados figuram como algo incriminatório. O julgamento está explícito em trechos como “as quatro entidades-cofre registram movimentações bancárias estranhas, com vultosos saques na boca do caixa, indício de tentativa de ocultar desvios de dinheiro” e “O governo Lula agora experimenta o gosto da chantagem de uma organização bandida que cresceu sob seus auspícios.”

Nenhuma das duas matérias apresenta depoimentos de integrantes do MST, o que pode ser considerado um erro jornalístico de ambas. Inclusive, já que a matéria da Veja é construída a partir de acusações ao grupo, era necessária a existência de um espaço para a defesa.