‖ ‖ ‖ Por Carlo Napolitano ‖ ‖ ‖
A constituição de 1988 foi elaborada após um longo período de restrição aos direitos fundamentais[1], em especial, aos relacionados à liberdade de expressão, de opinião e de informação. Na constituinte de 87/88, no entanto, vigorou a regra do “é proibido proibir” e esse ideal está contemplado expressamente em vários dispositivos do texto constitucional.
A liberdade de expressão, por exemplo, é garantida em diversas passagens da constituição brasileira. O artigo 5º, que dispõe acerca dos direitos e garantias fundamentais, prevê que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou de licença.
O artigo 220, que trata da comunicação social, repete o enunciado do artigo 5º, dispondo que a manifestação do pensamento, a liberdade de criação, de expressão e de informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não poderão sofrer restrição legal, observando-se apenas o que está disposto na própria constituição.
O poder constituinte ainda reforçou, nos parágrafos do artigo 220, que nenhuma lei poderá conter dispositivo ou regra que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística e que é vedada a censura de natureza política, ideológica e artística.
Tais direitos, contudo, não são absolutos[2] e essa ideia está contida na parte final do artigo 220 ao determinar que o direito à liberdade de manifestação do pensamento deve necessariamente observar e respeitar outros direitos previstos na constituição.
Essa regra restritiva tem por objetivo assegurar a compatibilidade daquele direito com outros também previstos na constituição, como são os casos dos direitos da criança e do adolescente, do direito à saúde e do respeito à pluralidade e à diversidade nos meios de comunicação social, dentre outros.
A constituição, nesse sentido, é imperativa ao determinar que compete à legislação federal regular esses direitos[3]. Regular, no caso, significa a possibilidade de impor condições para o exercício de direitos. Regulação não significa censura, trata-se apenas de condicionar o uso desses direitos, compatibilizando-os com os demais, muito embora, “as fronteiras e os limites entre regulação e restrição de direitos é, por conseguinte, tênue e não raro estão subordinados aos humores dos governantes e legisladores” (ADORNO, 2010, p. 15).
No intuito de efetivar essa regra constitucional o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, no eixo orientador V, que tratada da Educação e Cultura em Direitos Humanos, na Diretriz número 22 propõe “a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.”
No mesmo sentido, há também a proposta de criação de uma Agência Nacional de Comunicação para regular o mercado de rádio e TV, nos mesmos moldes das agências reguladoras atualmente existentes, como é o caso da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), por exemplo.
Essas propostas, conhecidas por controle social da mídia, repercutiram negativamente nos meios de comunicação que demonstraram preocupação alegando que elas implicariam na possibilidade de censura, fato não permitido pelo texto constitucional. É importante, contudo, mencionar que essas propostas objetivam efetivar um comando normativo estabelecido na constituição.
Também é bom lembrar que o capítulo da comunicação social ainda não foi regulado por lei. Para se ter uma ideia da falta de regulação jurídica, verifica-se no texto constitucional a previsão de elaboração de sete leis para o setor, das sete previstas apenas três foram aprovadas pelo Congresso Nacional. A ausência de leis regulamentadoras praticamente impede qualquer tipo de ação estatal ou social sobre este importante segmento da economia.
Como exemplo pode ser mencionada a ausência de lei regulamentadora da regra constitucional que proíbe o monopólio ou o oligopólio dos meios de comunicação[4]. Essa previsão constitucional visa impedir que a sociedade brasileira tenha apenas uma ou algumas fontes de informação, efetivando-se deste modo o respeito à diversidade e à pluralidade de opiniões, de ideias e de informações.
No entanto, estudos indicam que, na prática, a regra constitucional não é respeitada e atestam que 90% do mercado brasileiro de mídia é controlado por apenas 15 grupos familiares (LIMA, 2001, p. 106), apontando uma forte concentração no setor.
A regulação dos meios de comunicação social objetiva, portanto, a harmonização e a efetivação dos direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional.
BIBLIOGRAFIA
ADORNO, S. História e desventura: O terceiro programa nacional de direitos humanos. Novos Estudos, 86, 2010.
BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
LIMA, V. A. Mídia: teoria e política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
SANDRONI, P. Dicionário de economia. 7 ed. São Paulo: Editora Best Séller, 1989.
SCHÄFER, J. G. Direitos fundamentais, proteção e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001.
[1]A teoria dos direitos humanos enfoca o mesmo tema com expressões diversas, tais como, direitos fundamentais, direitos do homem, direitos humanos, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos individuais, liberdades fundamentais, além de outras tantas. A expressão “direitos fundamentais” é tida como a mais adequada, pela teoria jurídica brasileira, pois foi a adotada no texto da constituição federal. A título de observação Bonavides (2000) menciona que a expressão “direitos humanos” é mais utilizada entre os autores anglo-americanos e latinos, enquanto a expressão “direitos fundamentais” é mais utilizada pelos teóricos alemães. Já para Schäfer (2001), direitos fundamentais são aqueles reconhecidos e previstos nas constituições, enquanto os direitos humanos são aqueles previstos nos documentos de direito internacional, como são os casos dos tratados internacionais sobre direitos humanos.
[2] Para a teoria dos direitos fundamentais não há direito absoluto. A dimensão relativa dos direitos fundamentais pode ser expressa na característica da concordância prática ou harmonização dos direitos entendendo-se que haverá situações em que dois ou mais direitos fundamentais entrarão em colisão.
[3] Art. 220 § 3º – Compete à lei federal: I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. § 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. § 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
[4] Monopólio é uma forma de organização de mercado nas economias capitalistas, em que uma empresa domina a oferta de determinado produto ou serviço (SANDRONI, 1989, p. 207). Oligopólio é o tipo de estrutura de mercado, nas economias capitalistas, em que poucas empresas detêm o controle maior da parcela do mercado (SANDRONI, 1989, p. 219). A proibição constitucional em relação à formação de monopólios/oligopólios está expressamente prevista nos artigos 173, § 4º (A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros) e 220, § 5º (Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio). E de forma implícita está contida nos princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, mencionados pelo artigo 170 do texto constitucional.