Deborah Teodoro
A chacina que vitimou 12 crianças e adolescentes na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, ratificou, mais uma vez, a espetacularização com que incidentes do gênero vêm sendo noticiados pela imprensa brasileira. Permeada por variáveis doses de sensacionalismo e ancorada em uma linguagem apelativa, a mídia eletrônica, que conta com grande adesão da sociedade, não poupou artifícios para atrair a audiência.
Embora seja uma atividade de interesse público, o jornalismo comercial é viabilizado pelo interesse privado.
O conflito é inevitável. Na cobertura do episódio, o confronto entre o interesse público e o privado se sobressaiu nos excessos cometidos pela mídia, que seleciona e narra a informação, definindo os interlocutores e os parâmetros do que deve ser considerado socialmente relevante. Nos moldes em que foi apresentada pelos grandes veículos noticiosos, a cobertura deixou muito a desejar ao efetivo interesse público.
A Constituição Federal denomina o Brasil como um Estado Democrático de Direito, contemplando, no rol de seus fundamentos, a cidadania. Desta forma, espera-se que os meios de comunicação estabeleçam uma relação de respeito com o público, tratando-o como cidadão e não sob a ótica de mero consumidor de notícia. Considerada um direito social, a informação é inerente à cidadania e indispensável à vida em sociedade. Sua utilidade está vinculada à concretização de outros direitos, como o direito à segurança e à educação, os quais podem ser observados no caso em questão.
Entretanto, a história se repete: não são poucos os casos de barbaridades cometidas pela TV ao veicular notícias referentes a acontecimentos trágicos, visando elevar índices de audiência. Não é novidade que o jornalismo atua tanto sob a visão de serviço público quanto de negócio, equilibrando-se entre os pólos ideológico e econômico, sendo que este último define a empresa jornalística como uma indústria subordinada ao lucro, aprofundando o caráter da notícia como mercadoria. Todavia, à medida que ocorre esta subordinação, questiona-se se o jornalismo como negócio privado estaria apto a desempenhar o papel de promotor da cidadania e de mediador das informações de interesse público. Tal situação é patente ao se analisar a cobertura da chacina no Rio de Janeiro.
São legítimos a curiosidade e o interesse das pessoas em serem informadas sobre episódios do gênero. O problema surge com a exposição de facetas da tragédia que excede o limite do bom senso. Apresentadores de telejornais saem de suas habituais bancadas para explorar a dor alheia, retratando a fase pós-traumática daqueles que sobreviveram à tragédia e de quem chora a perda de amigos e familiares. Instaura-se o teledrama como parte da estratégia que alavanca a audiência e causa comoção ao público, validando toda sorte de artimanhas para atingir o resultado desejado. Primeiramente, a mídia eletrônica requer imediatismo, o que, muitas vezes, inviabiliza a adequada apuração do acontecimento, incorrendo erros e informações desencontradas nas primeiras notícias veiculadas. Seguem-se, então, entrevistas com os protagonistas sobreviventes da tragédia; depoimentos de parentes e amigos das vítimas, no estilo “arquivo confidencial” de um programa de entretenimento; imagens das crianças baleadas saindo apavoradas das salas de aula; vídeo amador, retratando o momento da tragédia com toda a movimentação intrínseca a ela e, como se este não bastasse, a exibição, com direito até a chamada apelativa, da reconstituição do crime, instituto previsto pelo Código de Processo Penal e utilizado pela polícia judiciária para fazer a reprodução simulada dos fatos, visando esclarecer determinados aspectos ainda desconhecidos; fotos do corpo do assassino estirado no chão após seu suicídio; análise da mente do assassino a partir da carta encontrada em seus pertences, sendo o bullying, bola da vez na imprensa mundial, a justificativa mais plausível para explicar o incidente que é relembrado o tempo todo pela mídia; e assim por diante.
Tamanho espetáculo propiciado pela mídia aos seus expectadores extrapola o interesse público, ainda que satisfaça ao interesse do público, haja vista que este, em seu íntimo, muitas vezes alimenta o gosto pela tragédia. A cobertura jornalística que opta por esta abordagem ainda carece de tratamento diferenciado, em que a qualidade técnica e os valores éticos dos profissionais da comunicação se sobreponham aos excessos do interesse privado, os quais devem ser coibidos por uma sociedade verdadeiramente democrática.