O debate atual sobre comunicação, participação e gestão pública


Antonio Sardinha


O Governo Federal convocou no final do ano passado, em decreto assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a I Conferência Nacional de Transparência e Participação Pública. A conferência, prevista para maio de 2012, sinaliza duas questões fundamentais para o debate sobre políticas para a área de comunicação.

A primeira é a relação estrutural da comunicação no debate sobre participação e democracia e, por conseqüência, a necessidade de consolidar a Comunicação Pública como campo teórico-prático capaz de fundamentar uma política permanente para aperfeiçoar o projeto participativo, em gestação desde o final da década de 1980.

Essas duas questões remetem a discussões complementares que estão imersas no cenário contraditório em que se deu o debate sobre democratização e participação após a redemocratização.

Entre essas questões, está a necessidade de repensar o modelo de comunicação por parte do poder público diante de uma nova demanda por participação institucionalizada em canais que, em tese, garantem a participação da sociedade civil nos rumos das políticas públicas no país.

O que esse cenário remete às políticas de comunicação é a garantia do direito à informação e à comunicação em um contexto favorável à participação nos espaços públicos de negociação e disputa por poder sobre políticas e questões de interesse público.

O debate sobre o papel e as possibilidades de consolidação da Comunicação Pública como um modelo conceitual e operacional a ser instituído como política pública é elemento estrutural para discutir sobre a participação nas políticas públicas. E mais, oferece uma indicação interessante. Toda discussão sobre democratização das políticas de comunicação começa com uma redefinição da própria política delineada no interior do Estado para a comunicação entre o poder público e a sociedade.

Para além da agenda voltada em grande parte a discutir diretrizes, meios para regulação, fomento e organização do sistema de mídias no Brasil, temas da Conferência Nacional de Comunicação, o debate sobre as políticas de comunicação, que partem das limitações que o Poder Público tem ao se comunicar com a sociedade, ainda é uma questão a ser aprofundada.

A questão central é discutir um modelo para constituição da Comunicação Pública como serviço a ser oferecido pelo Estado com as respectivas implicações para a democracia nos moldes democráticos desenhados para o país após a redemocratização.

As discussões estão tímidas. O debate sugerido pela primeira conferência sobre transparência na gestão pública parece oportuno nesse sentido por apontar uma face da política de comunicação, que tem o próprio Estado como o responsável pela sua implementação direta e integrado a uma proposta ampla e legítima, a participação democrática.

I Conferência de Transparência e Participação

A prática das conferências públicas para reunir representantes do poder público e da sociedade civil na discussão de políticas públicas tem sido freqüente ao longo da última década. Desde 1941, foram 113 conferências nacionais, 72 delas realizadas nos últimos oito anos, 28 delas realizadas pela primeira vez como a de segurança pública, defesa civil e comunicação.

Apesar das dúvidas e desafios para que as conferências se legitimem como espaços decisórios no arranjo democrático brasileiro políticas de Estado (SILVA, 2009), a criação desses espaços de discussão tem sido instrumentos importantes para destacar temas da agenda pública invisíveis para a sociedade e os governos. Políticas públicas importantes como para área de assistência social e serviços no âmbito do sistema de saúde nasceram de contribuições e disputas proporcionadas pelas conferências.

A inédita Conferência Nacional de Transparência e Participação pretende estimular em todo país o debate sobre como podem ser criadas diretrizes, mecanismos e ações que estimulem a participação da sociedade na gestão pública, fazendo da cultura de fiscalização uma prática cotidiana para aperfeiçoar os gastos, investimentos e combater a corrupção nos governos.

O decreto de convocação da conferência foi assinado em dezembro do ano passado pelo então presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva. Até o mês de junho de 2011 devem acontecer as discussões nos municípios, seguidas das etapas estaduais e envolvendo a participação de setores organizados da sociedade. Essas etapas preparatórias subsidiam a conferência nacional, responsável por reunir representantes de todas as regiões do país.

A proposta central da conferência é delinear meios para fortalecer o controle do Estado por parte da sociedade com estratégias e diretrizes para aprimorar e munir de recursos técnicos e cognitivos a ação política de controle e participação.

Na minuta em discussão para normatizar a conferência estão entre os eixos temáticos sugeridos três questões diretamente relacionadas às políticas de comunicação na perspectiva da Comunicação Pública como serviço de responsabilidade do Estado: (1) promoção da transparência pública e acesso à informação, (2) o engajamento e capacitação da sociedade para o controle social e (3) a atuação dos conselhos de políticas públicas como instâncias de controle

A questão mais elementar em um primeiro momento é pensar em como a comunicação e as tecnologias disponíveis podem aperfeiçoar a transparência e a estimular a participação no processo de execução das políticas pelos governos. Disponibilizar por meio de recursos da tecnologia digital dados sobre os gastos públicos, criar portais de transparência e ampliar canais para ouvir a população são mecanismos até implementados por governos como meio para estimular uma lógica de proximidade e transparência.

No entanto, o debate sobre o papel da Comunicação no contexto da participação e transparência na gestão pública deve ser apontado não como estratégia ou ação isolada, em que funcionalmente se atribui à área de comunicação uma natureza publicista ou de ferramenta meramente facilitadora. Esse é o discurso escamoteia o teor regulatório que marcadamente caracteriza a comunicação quando apropriada pelo Estado, seja em um contexto autoritário ou democrático.

A comunicação no contexto democrático e de participação deve partir de bases mais sólidas, resolvendo questões estruturais que impedem que a Comunicação ganhe centralidade e instrumentalidade nesse debate.

O debate sobre políticas que garantam o acesso à informação pública – com a regulamentação do acesso à informação pública em projeto de lei que tramita no Congresso –; e a consolidação da Comunicação Pública como espaço legítimo de diálogo e interação entre o Estado e a Sociedade, garantindo o direito à informação e à comunicação como fundamentos para o exercício da cidadania nas decisões das questões de interesse público (DUARTE, 2009) são questões fundamentais ao significar a comunicação no debate sobre transparência a participação.

Comunicação, participação e o debate sobre transparência

Estudos sobre a eficácia, desafios e entraves para concretização da participação como prática de participação para além do envolvimento no período eleitoral (TATAGIBA, 2002) na consolidação de dispositivos previstos desde a constituição de 1988 – como são os conselhos gestores de políticas públicas, conferências – apontam que o envolvimento e a participação coletiva nas decisões tomadas pelos governos representam um projeto político em disputa em meio à cultura política brasileira (DAGNINO, 2002).

A abertura de espaços e de canais de participação instituídos, após a volta dos governos civis, e a permanente busca por fortalecê-los nos moldes democráticos, que procuram criar um sistema democrático complementar envolvendo os procedimentos tradicionais da democracia representativa em meio a espaços de participação como conselhos e conferências de políticas públicas, tornaram-se tema central para o debate sobre cidadania no país.

A descentralização da gestão, a participação social e a necessidade intervenção do Estado para garantia dos direitos sociais consolidados e demandados no período constituinte delineiam um dos eixos centrais desse modelo participativo.

Discutir os desafios e meios para consolidar esse arranjo democrático nas especificidades da autoritária cultura democrática brasileira tem sido preocupação não só dos movimentos sociais que colocaram essa questão na agenda de suas ações políticas, mas também no campo científico com estudos voltados a discutir, entender e buscar meios para garantir a participação social nos moldes pensados a partir da redemocratização.

A comunicação, sempre permeada de uma funcionalidade, nunca foi reposicionada em uma perspectiva mais crítica em meio ao debate sobre democracia pensada como prática cotidiana de ocupação dos espaços públicos, não apenas restrita à atividade eleitoral. Esse viés responde pela construção do modelo comunicativo que norteará a relação do Estado com a Sociedade. O que se registrou historicamente foi a predominância de ações de comunicação centralizadas e/ou instrumentais para instituir o diálogo entre Estado e Sociedade.

Nesse contexto, as ações e políticas (de natureza governamental e não pública) para área da comunicação surgem mais como uma tentativa de regulação, um recurso estratégico usado por governos instituir mecanismos de regulação para dificultar e frear projetos participativos de controle e envolvimento da sociedade nos rumos das políticas públicas.

O forte componente privado da atividade de comunicação no país associado a instrumentalização da comunicação pelo Estado criam uma ambiente característico que denuncia a negação do papel do Estado na definição das políticas de comunicação, o que é compatível com o grau de democratização da sociedade (SOUZA, 2007).

A dificuldade de consolidação – em meio ao sistema privado e estatal – de um aparato público de comunicação, o autoritarismo e a lógica informacional/transferencial que marca as ações de comunicação dos governos (SIGNATES, 2009) dificultam que políticas democráticas e amplas para a comunicação acompanhem e participem do debate sobre participação no interior do Estado brasileiro.

O que simbolicamente ilustra essa anulação de um projeto de comunicação diante das demandas por participação é a ausência de políticas de comunicação que tenham o Estado atuando de modo mais protagônico, formulando e implementado políticas de comunicação, sem a atuação burocrática/legalista/regulamentadora que tradicionalmente assumiu e que cumpre de modo muito limitado.

Organizar um serviço público de comunicação e fortalecer a comunicação pública como uma questão de política pública (LASSANCE, 2011); regulamentar a lei de acesso a informação pública em tramitação no Congresso; construir estratégias de apropriação das tecnologias para abertura de diálogo e canais de participação e fiscalização dos órgãos públicos; estimular experiências para aprofundamento da democracia eletrônica são tópicos que pontuam na perspectiva de uma política de Comunicação Pública esse debate sobre transparência na gestão.

A academia, os profissionais e os movimentos sociais de luta pela democratização da comunicação no país precisam sustentar que as ações de comunicação em benefício da transparência não podem ser deslocadas de uma política de comunicação com diretrizes claras que não instrumentalizem a comunicação e informação, sobretudo pelo discurso tecnológico da fluidez, participação irrestrita e difusão indiscriminada.

Em tempos de tecnocracia, o modelo centralizador que parece estar na égide do Estado brasileiro assume um contorno mais capilar capaz de mitigar o potencial político que a política de comunicação assume em um contexto participativo como o que registramos no Brasil, sobretudo após o final da década de 1980.

O risco é atualizar os mecanismos e institucionalizar a regulação por meio de ações (estratégicas) de comunicação, apropriando-se das possibilidades já ideologicamente legitimadas pela sociedade tecnológica (a conexão, o acesso, a difusão e fluidez informativa, notadamente discursos e dispositivos de poder) de modo a garantir uma ambiência de transparência e participação que, na verdade, legitima distanciamento e a desmobilização.

Referências

DUARTE, Jorge. Instrumentos de Comunicação Pública In DUARTE, Jorge (org).

Comunicação Pública – estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo:

Atlas, 2009.

DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil e espaços públicos no Brasil In DAGNINA, E. (org). Sociedade Civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

LASSANCE, Antonio. Comunicação institucional do poder público In CASTRO, D; MELO, J. M; CASTRO, C. Panorama das Comunicações e Telecomunicações no Brasil. Brasília: Ipea, 2010.

PITTA, Aurea Rocha. Comunicação, Promoção da Saúde e Democracia: Políticas e Estratégias de Comunicação no Sistema Único de Saúde no Brasil. 2001. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.

SIGNATES, Luiz. Comunicação como política pública: da abrangência teórica às questões políticas? Revista Ser. Goiânia, v.1, n.1, p.4-19, jul./dez. 2009.

SILVA, Enid Rocha Andrada da. Participação social e as conferências nacionais de políticas públicas – reflexões sobre os avanços e desafios no período de 2003-2006. Ipea: Rio de Janeiro, 2009.

SOUZA, Regina Luna Santos de. A “cordialidade na gramática política brasileira e seus efeitos na (in) definição de políticas universais e democráticas de comunicação In RAMOS, M. C; SANTOS, S. (orgs). Políticas de Comunicação – buscas teóricas e práticas. São Paulo: Paulus, 2007.

TATAGIBA, Luciana. Os conselhos gestores e a democratização das Políticas Públicas no Brasil. In DAGNINA, E. (org). Sociedade Civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

Sites consultados

Análise do Projeto de Lei de Acesso à informação pública – Brasil Disponível em http://www.artigo19.org/site/documentos/analise_do_projeto_de_lei_de_acesso_a_info_publica.pdf

Levantamento sobre Conferências Públicas no Brasil. Disponível em: http://www.secretariageral.gov.br/art_social/conselhosconferencias/conf.

Conferência Nacional sobre Transparência e Participação Social. Disponível em http://www.cgu.gov.br/consocial/index.asp


Deixe um comentário