Felipe Oliveira
A matéria de capa da revista Veja de 23 de fevereiro de 2011 tem como tema a recente proposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em proibir a venda de certos medicamentos para emagrecer no Brasil. Especificamente, os que agem sobre o sistema nervoso central, conhecidos como inibidores de apetite, com destaque para a sibutramina, substância que já provocou polêmicas por causa de seus efeitos colaterais.
De acordo com a Anvisa, esses remédios oferecem riscos aos pacientes, como problemas cardiovasculares, hipertensão e distúrbios emocionais. O órgão também justifica que existem tratamentos alternativos contra a obesidade, como a educação alimentar e os exercícios físicos.
Para a Veja, a medida é drástica e injusta com as pessoas que sofrem de obesidade e que realmente precisam de medicação. A revista deixa clara sua posição ao estampar em sua capa a frase “Por que é ruim proibir a venda” e incrementar a reportagem com argumentos contrários à proposta. A ideia que a revista sustenta é a de que qualquer tipo de medicamento tem seus efeitos colaterais e isso deve ser observado e controlado por médicos especializados, como os endocrinologistas.
Com o objetivo de dar credibilidade a esse ponto de vista, a reportagem traz depoimentos de médicos renomados, como os endocrinologistas Alfredo Halpern, da Universidade de São Paulo, e Freddy Eliaschewitz, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, além da opinião da presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, a Abeso, Rosana Radominski. Todos os depoimentos são contrários à proposta.
A reportagem ainda oferece ao leitor duas grandes tabelas. A primeira apresenta quais os princípios ativos que a Anvisa pretende proibir no Brasil (além da sibutramina, o manzindol, a anfepramona e o femproporex), explica o mecanismo de ação de cada um deles, os argumentos da Anvisa para querer proibi-los e outros argumentos, dados por especialistas, que os contestam. Todos os motivos dados pela Anvisa são refutados. Em seguida, outra tabela mostra medicamentos variados que já foram proibidos no Brasil, o porquê disso e seus respectivos tratamentos alternativos.
Veja não está errada em defender sua posição, mas por se tratar se um assunto polêmico, espera-se que a revista estimule uma discussão sobre o tema, explorando também os fatores que levaram a Anvisa a fazer tal proposta. A matéria não traz depoimentos de pacientes que sofrem de obesidade, de pessoas que já tomaram remédios para emagrecer e sofreram de efeitos colaterais ou até de pacientes que realmente precisam desses remédios e terão seus tratamentos prejudicados. Veja também não confrontou a visão dos médicos que condenam a proposta da Anvisa com a opinião de médicos ou especialistas que concordam com a proibição.
Outro argumento utilizado pela revista é que a proibição pode estimular o comércio ilegal de medicamentos, como já acontece com os antibióticos. Este é um ponto importante a ser abordado pela reportagem, pois trata de um problema que afeta a saúde pública e a sociedade. Veja poderia ter dedicado um espaço maior de sua reportagem para isso. Das oito páginas de reportagem, o tema é explorado em apenas dois parágrafos.
Temas polêmicos são comuns na cobertura midiática e, em geral, rendem grandes matérias. Porém, é preciso que a mídia ofereça ao público argumentos para que esses problemas sejam discutidos em sociedade. A tomada de posicionamentos pode tornar o noticiário mais transparente ao público, mas a imprensa deve sempre atentar para sua principal função de informar, mesmo que isso signifique apresentar a famosa “outra face da moeda”.
Uma resposta para “O custo para emagrecer e a opinião de Veja”
Muito bem observado o estilo de Veja de abordar temas controvertidos com argumentos de apenas um dos lados. Durante as campanhas do referendo pela proibição das armas de fogo, a revista fez uma capa apresentando sete razões para votar contra a proibição, quando a ética profissional recomendaria apresentar razões a favor e contra. A colunista Bárbara Gancia, na época, escreveu na Folha que a Companhia Brasileira de Cartuchos era proprietária do prédio alugado à a editora Abril, onde funcionava a revista.
No caso examinado em sua matéria, o que se percebe é a inclinação da revista contrária a toda forma de regulação pública da atividade econômica, mesmo numa área crítica como a saúde. É a porta-voz do liberalismo sem limites.