Juliana Santos
Tramita no Congresso Nacional a flexibilização do horário de transmissão do programa “A Voz do Brasil”. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) já aprovou projeto de lei que libera as rádios brasileiras para a transmissão da “Voz” entre 19h e 23h. O projeto surgiu de uma iniciativa da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão). A mudança proposta faz com que as divergências sobre a importância do programa mais antigo da história do rádio brasileiro e o seu valor nos dias atuais sejam reavaliados.
“A Voz do Brasil” está no ar há 75 anos. Criada durante o Estado Novo, na ditadura Vargas (1937-1945), o programa nasceu com o nome de “Programa Nacional”. Sua primeira transmissão foi no dia 22 de julho de 1935, para as 50 emissoras de rádio existentes na época e com narração do locutor Luiz Jatobá. Segundo o livro de A hora do clique: análise do programa de rádio Voz do Brasil da Velha à Nova República, de Lilian Maria Farias de Lima Perosa, a Voz do Brasil em quase toda sua existência esteve ligada ao autoritarismo:
Na qualidade de produção radiofônica ligada diretamente ao poder de Estado, a Voz do Brasil, evidentemente, passou a maior parte do tempo atrelada a regimes autoritários, como o Estado Novo (1937-1945) e à ditadura militar (1964-1985), atuando como fiel porta-voz das políticas e ideologias defendidas por tais regimes¹ (PEROSA, 1995, p. 16).
O som de “O Guarani” é facilmente reconhecido pelos brasileiros como o anúncio do início do programa veiculado pontualmente no mesmo horário (das 19h às 20h) de segunda a sexta. Atualmente, os primeiros 25 minutos do radiojornal são produzidos pela EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e trazem notícias sobre o Poder Executivo, e os demais 35 minutos são divididos entre os Poderes Judiciário e Legislativo. O radiojornal possui a mais larga cobertura do rádio nacional. Passando por diversos governos e momentos do país, o programa ainda se mantêm como um importante meio de informação para parte da população, e nesse atual formato é bem reconhecido jornalisticamente pelos profissionais.
Com a possível flexibilização do horário, há os que defendem de forma saudosista que “A Voz do Brasil” não deveria ter seu horário alterado, por ser o programa mais antigo do rádio brasileiro e ser considerado o único meio de informação para camadas da sociedade que tem dificuldade de acesso a outros meios. Além disso, alega-se que a proposta teria o objetivo de esconder informações do público.
Em termos comerciais, “A Voz” em horário obrigatório se torna um problema para as emissoras de rádio. Segundo uma pesquisa do instituto InterMeios realizada em 2008, ocorre uma queda drástica de audiência no horário do programa, que demora a se recuperar. Isso faz com que diminua ainda mais a receita das rádios, que já são o meio de comunicação que recebe menores verbas publicitárias. Outro ponto usado a favor da flexibilização é que cada poder já possui o seu canal de comunicação único com o público (TV Câmara, TV Senado, TV Justiça).
No entanto, a importância histórica e social inegável do programa e sua qualidade é o que deve ser avaliado como fatores para flexibilização ou não. Algumas entidades, como a Fitert (Federação dos Radialistas), FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), sindicatos de radialistas, TVs Comunitárias e Associação Brasileira de Rádios Comunitárias organizaram uma campanha em defesa da Voz do Brasil. Para essas entidades, a proposta da Abert dá poder para as emissoras veicularem o programa em horários sem audiência, e tem por finalidade acabar desobrigando as emissoras de transmitir o programa.
Assim, como o rádio se adequou a concorrência com novos meios (televisão, internet etc), a “Voz” também se adaptou mudando seu formato, e seu horário de transmissão é outra mudança que pode adaptar o programa ainda mais. O que para o público é necessário é que o horário do programa esteja de acordo com as necessidades dos ouvintes de cada região. O programa deve adaptar-se à grade de horários das rádios, sem que atrapalhe o horário de outro noticiário local, ou a transmissão de jogos e acontecimentos importantes. Assim, é possível que o programa deixe de ser um problema e possa realmente levar informações importantes sobre os três Poderes para os ouvintes dos mais distantes pontos do país.
¹PEROSA, Lilian Maria Farias de Lima – A hora do clique: análise do programa de rádio Voz do Brasil da Velha à Nova República. São Paulo: Annablume, ECA – USP, 1995.