Regulação de mídia em enquadramento de conflito


Adriana Donini


A Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal promoveu, em 9 e 10 de novembro, o Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias com o objetivo de fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas, envolvendo variados segmentos sociais e empresariais para analisar experiências de regulação de serviços públicos de radiodifusão de outros países e estudos desenvolvidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo publicaram reportagens referentes aos dois dias do evento. Analisamos o enfoque dessa cobertura.

Folha

Em 10 de novembro, a Folha apresentou reportagem que destaca declarações do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, durante a abertura do seminário, que transmitem a impressão de confronto entre ele e entidades de representação patronal da mídia. A regulação das novas mídias, segundo Martins, precisaria acontecer “num clima de entendimento ou de enfrentamento”.

O texto foi costurado pela troca de críticas entre o ministro e empresários. Um dos entrevistados foi Paulo Tonet, diretor do Comitê de Relações Governamentais da Associação Nacional de Jornais (ANJ). “O discurso do ministro pode ser interpretado como uma ameaça ou como o jeito dele mesmo”, segundo Tonet, que teria avaliado como inconstitucional a proposta do governo para a criação de uma agência para controlar conteúdo de mídia.

“A ANJ não é Suprema Corte”, rebateu Martins. “Se achar que isso [é inconstitucional], que vá ao Supremo. Viver é perigoso, como diria Guimarães Rosa”. Ainda nesse viés de embate, em outros trechos da reportagem, o jornal escolheu declarações do ministro que acalmam os ânimos. “Apesar de momentos de fúrias mesquinhas, a nossa sociedade tem vocação para o entendimento”. Também de acordo com a Folha, mais de uma vez Franklin teria pedido para que os “fantasmas” se afastassem da discussão.

“Em todos os países existem normas que devem ser seguidas em relação ao conteúdo”, salientou Martins. “O Brasil não é uma ‘jabuticaba’ para achar que será diferente”.

A reportagem possui um quadro com o título “Unesco sugere tirar concessões do governo”, o qual enfoca a recomendação da organização para que seja criado um órgão independente para regular a mídia eletrônica e instituir cotas obrigatórias para programação regional e produção independente em emissoras de TV. Ali, é informado que a Unesco estudou a radiodifusão no Brasil por oito meses e que o diagnóstico apresentado no seminário não teria sido bem recebido por empresários, como o vice-presidente da TV Bandeirantes, Frederico Nogueira, o qual, segundo a Folha, a Unesco estaria mal informada.

Também integra a página do jornal declaração da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) durante encerramento de Assembleia Geral realizada no México em 9 de novembro. A SIP teria solicitado que os governos vetassem leis que estabeleçam qualquer tipo de controle dos meios de comunicação,

Já na edição de 11 de novembro, a Folha publicou reportagem que abordou posicionamento do diretor nacional de Supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, Gustavo Bulla, sobre crítica realizada pela SIP no dia anterior. Foi citado que a Unesco teria concordado com declaração da SIP de que a Argentina contrariava a liberdade de expressão ao se valer da regulação da mídia para atacar o grupo Clarin.

No entanto, o enquadramento realizado pelo jornal nesse caso mais uma vez foi de atrito, tendo em vista que o principal objetivo da participação de Bulla foi apresentar um quadro comparativo entre os cenários anterior e posterior à promulgação da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual, em 2009.

Com o intertítulo “Balanço”, o jornal apresenta um breve resumo do evento, mas comenta de maneira superficial a atuação de países que mostraram suas experiências de regulação no evento. Na conclusão, uma declaração de Martins: “regular conteúdo não é bicho de sete cabeças nem censura”.

O Estado

No caso do jornal O Estado de S. Paulo, nota-se que a cobertura relativa ao primeiro dia do Seminário se assemelhou à da Folha: foram salientados depoimentos do ministro de Comunicação Social que deram a impressão de desentendimento entre governo e empresários de mídia.

A reportagem já se inicia da seguinte maneira: “Em tom beligerante, o ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo federal, Franklin Martins, afirmou ontem que a regulação do setor de mídias no Brasil vai ocorrer nem que para isso seja preciso enfrentar os adversários. ‘Nenhum grupo tem o poder de interditar a discussão. A discussão está na mesa. Terá de ser feita. Pode ser num clima de enfrentamento ou de entendimento’.”

O jornal destacou como o ministro teria recebido as críticas. “Os fantasmas, quando dominam nossas vidas, nos impedem de olhar de frente a realidade”, disse. “Os fantasmas não podem comandar esse processo. Se comandarem, perderemos uma grande oportunidade”.

Ainda segundo O Estado, a atuação do ministro seria vista por entidades como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) como um movimento para regular o conteúdo de mídia. O diretor da Abert teria declarado: “Enxergamos de nodo diferente. Não estamos vendo fantasmas. São coisas que estão acontecendo”.

A exemplo da Folha, o Estadão veiculou declaração de Franklin de que as reclamações são “fúrias mesquinhas”. O ministro teria defendido o respeito à privacidade e à cultura regional e apresentado posicionamento contrário à propriedade de emissoras de rádio e TV por mandatários. O jornal também enfocou o estudo da Unesco.

Ainda foi exposta, de forma breve, opinião de Haraldt Tretenbein, diretor adjunto de Políticas de Audiovisual e Mídia da Comissão Europeia, para quem não existiria controle de conteúdo na Comunidade Europeia e sim de propriedade, para restringir a participação dos que não pertencem ao continente.

Já no dia 11, o jornal informou que no encontro foi discutida a regulamentação de países como França, Inglaterra, Estados Unidos e Argentina, e que nos EUA não haveria regras sobre conteúdo; emissoras de rádio e TV abertas não poderiam apenas veicular obscenidades.

O jornal afirmou que propostas de controle social da mídia defendidas durante a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009, e “por alguns integrantes do governo Lula” não fariam parte de trabalhos de órgãos como o Conselho Superior de Audiovisual (CSA) da França e o Escritório de Comunicações da Grã-Bretanha.

Na matéria, Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), comenta que regulação da radiodifusão está em aberto. Ele diz concordar com “a discussão de um marco legal atualizado”, porém sem “enfrentamento”.

A criação de conselhos de Comunicação nos Estados podem ser vistas como “iniciativas de intimidação”, segundo o jornal, que destacou a posição da SIP. “O ‘clima de enfrentamento’ previsto na terça-feira pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo federal, Franklin Martins, deixou em alerta a maior entidade de representação das empresas de comunicação das Américas, a Sociedade Interamericana de Imprensa…”. ; “A organização manifestou ‘sua mais profunda preocupação’ com ‘os mecanismos de controle governamental sobre as liberdades dos meios de comunicação’ no País”.

O jornal ainda expõe texto da SIP relativo à conferência: “Com a desculpa de atualizar o marco regulatório, as autoridades federais, como em outros países, buscarão cancelar licenças de radiodifusão. O passo seguinte será a inclusão de medidas restritivas à liberdade de expressão e ao direito à informação”.

Conclusões

Nos dois jornais, notamos que predominou um recorte de embate entre o ministro e a Unesco, de um lado, e Abert e SIP, de outro. As escolhas de trechos do discurso de Martins a impressão de que ele pretende impor regras e restringir a liberdade de imprensa, e que seus posicionamentos são vistos de maneira negativa por empresários.

Tais depoimentos ganharam destaque, em detrimento a conteúdo que enfocasse a legislação brasileira atual referente à mídia, o cenário após o surgimento de novos meios e as mudanças necessárias.

As experiências de regulação em outros países apresentadas durante o evento foram apenas citadas, de forma breve, nas reportagens. Nesse caso, além de caracterizar  melhor o que foi exposto pelos convidados, os jornais poderiam, por exemplo, ouvir especialistas sobre a contribuição das realizações internacionais à realidade brasileira. Enfim, o assunto poderia ter sido exposto pelos jornais de maneira mais aprofundada.


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