Doença, epidemia e morte, como nunca antes neste país


Alexandre Lopes

Jéssica de Cássia Rossi


Procuramos verificar o enquadramento de matéria da revista Veja de 24 de novembro de 2010 sobre a dengue do tipo D, que havia sido erradicada do Brasil na década de 1980. A metodologia de análise identifica formas de abordagem e interpretações do meio de comunicação.

A saúde pública tem por objetivo adotar ações de prevenção de doenças a fim de aumentar a vida dos seres humanos, promover a saúde e o bem-estar físico e mental por meio de procedimentos organizados por uma sociedade. Entre suas ações está promover o saneamento básico, controlar infecções, orientar as pessoas sobre higiene pessoal, oferecer serviços médicos e de enfermagem para o tratamento de doenças e a criação de uma estrutura social que assegure a manutenção da saúde dos indivíduos. No Brasil, há uma série de instituições públicas voltadas para o estudo da saúde pública, como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Instituto Butantã. São organizações competentes que promovem a construção de um sistema de saúde público e igual para todos os cidadãos, o Sistema Único de Saúde (SUS), tanto na prevenção como no combate de doenças e epidemias existentes.

A dengue é uma das doenças tratadas pelos órgãos de saúde pública no Brasil, principalmente em relação ao controle das populações do mosquito que transmite a doença, o Aedes Aegypti. Ele é um mosquito da família Culicidae, proveniente da África e está presente em vários lugares, principalmente em regiões tropicais e subtropicais. O mosquito depende da concentração humana para se estabelecer, por isso, se adapta bem nas zonas urbanas. O controle do Aedes Aegypti é difícil porque ele tem diversos criadouros nos quais deposita seus ovos, que podem se manter até haver água propícia para a sua incubação. Quando estão imersos, os ovos se desenvolvem rapidamente. No Brasil, o Aedes Aegypti é o único mosquito que transmite a dengue, classificada pelos tipos A, B, C e D.

Na visão da revista Veja, o desenvolvimento da dengue de todos os tipos já é algo muito comum no Brasil devido às suas condições tropicais, mas o ressurgimento do tipo D é colocado como um fator que tende a piorar ainda mais a situação. Para a revista, esse novo tipo pode duplicar o número de casos da doença em 2010, conforme verificamos no trecho em que a revista apresenta o depoimento do infectologista Artur Timernan: “(…) “Todas as versões do vírus da dengue, incluindo o tipo 4, devem fazer 1 milhão de doentes em 2010”, diz o infectologista Artur Timerman’. Ou seja, 500 000 a mais do que em 2009”. Por essas construções, a revista enquadra o acontecimento como uma “calamidade pública”, pois apresenta uma projeção de novos casos muito alta. E acredita que o poder público não terá condições para prevenir e para tratar a doença.

Para a Veja, o reaparecimento do tipo D é enquadrado como um fator que tende a potencializar sintomas mais graves da dengue em pessoas que já contraíram os outros três tipos da doença em situações anteriores. O tipo D é um passaporte para a dengue hemorrágica, que é, segundo a revista “(…) a forma mais devastadora da doença (…)”. Vista por essa perspectiva, a proliferação da dengue pode causar uma epidemia preocupante. Ao construir essa interpretação, a revista quer mostrar ao leitor que a saúde pública brasileira não tem estrutura para enfrentar a situação. Dessa forma, o enquadramento é uma maneira de denunciar a precariedade do tratamento da saúde no país. Até mesmo porque a própria revista reconhece que os casos de contaminação inicial pelo tipo D foram, de agosto de 2010 até a data da reportagem, de apenas 10 casos, número pequeno diante da previsão de novos casos que surgirão de dengue no país.

Acreditamos que o enquadramento oferecido pela revista Veja sobre o ressurgimento do tipo D é uma forma, na verdade, de ela revelar seu inconformismo com a estrutura deficitária de saúde no país, assim como o retrocesso que o Brasil experimentaria ao permitir que um tipo de dengue já erradicado reapareça. A incidência da doença é maior em países pobres concentrados na zona climática tropical e, no caso do Brasil, não é diferente. Para a revista, a volta do tipo D é sinônimo de atraso e pobreza: “O verão vai ser muito quente, como nunca antes neste país”.


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