As críticas ao papa na visão de Globo e Record


Mariane Bovoloni


O papa Bento XVI foi alvo de protestos durante a visita que fez a Londres em 18 de setembro. No mesmo dia, o fato ganhou destaque nos telejornais de Globo e Record, com enquadramentos distintos, que refletiram as diferenças ideológicas dos dois grupos de comunicação.

“O papa Bento XVI reuniu milhares de fiéis no terceiro dia de visita ao Reino Unido”, segundo o Jornal Nacional. “À tarde, foi alvo de protestos que paralisaram o centro de Londres”.

Enquanto mostrava imagens do papa chegando à Londres, com muitos fiéis comemorando, e cenas da missa realizada na catedral católica de Westminster, a matéria ressaltava que aquela era uma viagem difícil, já que o tema da pedofilia “dominava os discursos”.

Segundo a matéria, o papa chamou de “mártires” as vítimas de abuso sexual por padres católicos e expressou sua “dor e humilhação” por esses crimes “inqualificáveis”. Ao se encontrar com cinco vítimas, ele haveria se comovido e, no Hyde Park, “rezou para um público de 80 mil pessoas, entre aplausos e protestos”. Até então, as imagens da matéria se resumiram a comemoração e missa.

Ao mostrar imagens sobre o protesto, em que a repórter se encontra separada dos manifestantes por uma grade, o JN destacou que estariam reunidas mais de 10 mil pessoas, e aquele era um acontecimento inédito na vida do papa. Os motivos da manifestação foram expressos em poucas palavras (“A multidão pedia punição imediata aos padres pedófilos, liberação dos preservativos, sacerdócio para mulheres e o reconhecimento da união dos homossexuais”). A matéria foi encerrada com a informação de que o papa faria a beatificação de um cardeal anglicano no dia seguinte.

Já o Jornal da Record conferiu mais destaque aos protestos. “Dez mil pessoas saíram às ruas de Londres para protestar contra a visita do papa. Bento XVI novamente pediu perdão aos crimes de pedofilia cometidos por padres católicos”. Há imagens da missa de Westminster, com o texto destacando que o papa mais uma vez pediu desculpas às vítimas de abuso, usando palavras como “vergonha” e “humilhação” para expressar sua “tristeza”.

“Enquanto o papa rezava a missa”, continuou o texto, com ênfase sobre a manifestação, “cerca de 10 mil pessoas marcharam pelo centro de Londres para protestar contra a visita”. A repórter da Record andou entre os manifestantes enquanto salientava os motivos do protesto, dando maior atenção à questão do abuso: “Os manifestantes questionam sobre a proibição do aborto e do uso de preservativos, mas principalmente protestam contra os milhares de casos de abuso sexual cometidos por padres católicos durante décadas”. Há imagens de uma das manifestantes falando à multidão e entrevista com outra, norte-americana, vítima de abuso na infância.

A matéria da Record se encerra com a informação de que, enquanto a manifestação ocorria no centro, a poucos quilômetros o papa participava no Hyde Park de uma vigília.

Os enquadramentos deixam claro o que cada uma das emissoras pretendeu destacar. A Globo se posicionou a favor do papa e valorizou sua missa, as pessoas felizes com sua chegada, enquanto permaneceu distante do protesto. Por outro lado, a Record destacou o protesto, com a atuação de sua repórter e a exibição de imagens e entrevistas. Quando o papa Bento XVI tomou a cena, foi apenas para dizer seus sentimentos de “vergonha” e “humilhação” em relação ao abuso. Mas, ainda que a Record tenha dado maior destaque à manifestação, omitiu a informação que um de seus objetivos foi exigir o reconhecimento da união homossexual pela instituição religiosa que o papa representa.

Tanto Globo como Record são concessões públicas que devem atuar na busca da objetividade, no equilíbrio de perspectivas e se pautar pela qualidade de suas matérias jornalísticas. Entretanto, como vimos, cada emissora explorou os eventos de acordo com seus próprios interesses e ideologias e, mais uma vez, as informações de canais públicos foram manipuladas para atender interesses privados.


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