Maria Carolina Vieira
“Com 900 mil votos, Tiririca teria a maior votação do país”. Com este título, matéria da Folha de S. Paulo de 19 de setembro, baseada em pesquisa do Datafolha, dedicou-se em sua maior parte a quantificar os votos que alguns candidatos “não-convencionais” a deputado receberiam. O maior alvo foi Tiririca.
Chamado de palhaço, ele é apresentado como o candidato que “provoca risos e polêmica desde que suas controversas propagandas foram ao ar na TV”. O candidato seria o mais votado como deputado federal, ganhando de políticos “tradicionais” como Paulo Maluf e superando “eleições históricas”, como a de Lula em 1986, com 650 mil votos. Ainda é citado o fato de que “desde a semana de 15 de agosto, o Google afere mais buscas por Tiririca do que por Dilma Rousseff, José Serra ou Marina Silva”.
A matéria deixa clara a posição do jornal contra o ridicularizado Tiririca e aponta nomes que já teriam criticado ou seriam contra a posição adotada pelo humorista em seu programa eleitoral – que, inclusive, teve o texto elaborado também por humoristas. Tiririca teria recebido críticas de “candidatos como Márcio França – que investiu no discurso de que política é coisa séria” e sido “socado simbolicamente por Maguila (PTN)”, segundo o texto. “Além deles, Said Mourad (PSC) usou um candidato falso (‘Larica 0000’), vestido como Tiririca, para logo advertir que ‘voto não é piada’”. Os próprios supostos aliados de Tiririca também são lembrados como críticos de sua postura política, como Aloizio Mercadante (PT).
Esta reportagem, por meio de adjetivos e opiniões adversas a Tiririca, afirma-se contra a candidatura de um “palhaço” que mal saberia o que é o exercício de um deputado.
Está no direito do jornal, desde que de forma aberta ao leitor, defender suas convicções. Porém, deve-se basear em fatos concretos e, no mínimo, ouvir os dois lados da história. Segundo o próprio título da matéria, Tiririca receberia 900 mil votos. Porém, só foram ouvidas pessoas que o consideram ridículo. Não se ouviu sequer um possível eleitor do humorista, nem os possíveis motivos para se votar nele foram levantados.
Isso é uma falha da reportagem: preocupada em explorar números e opiniões contrárias ao Tiririca, esqueceu-se de uma discussão ainda maior: por que um candidato que o próprio jornal considera um “palhaço” será possivelmente o deputado estadual mais votado? Não seria o reflexo de uma sociedade descrente da política? Ou talvez sem consciência política? Afinal, quem são essas 900 mil pessoas que votam em Tiririca? Quais as razões para que votem nele?
Tomando o caminho mais fácil, que é ridicularizar o óbvio, a reportagem deixou de lado o essencial: discutir a realidade da política brasileira, que chegou ao ponto de eleger Tiririca e seu famoso slogan (e talvez não tão forçado quanto parece) “porque pior do que está, não fica”.