Aline Camargo
O jornal Folha de São Paulo publicou em 5 de agosto de 2010 um artigo de autoria de Eliane Trevisan. A jornalista relembrou o caso da garota de 15 anos que, no Pará, dividiu uma cela com ao menos 30 homens por mais de 20 dias. O texto causou polêmica e gerou uma resposta da secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmem Silveira de Oliveira.
A jornalista caracterizou a vida da garota como uma sequência de causas e consequências de seus atos. “Sempre que escapava, L. vagava pelas cidades-satélites em busca da droga”, segundo o texto. Por isso, teria chegado a uma “maloca na cracolândia da Ceilândia”, de maneira que sua “trajetória ficou marcada por fugas, pequenos furtos e episódios de prostituição para bancar o vício em crack”.
A matéria expressa preconceito, através da construção de uma visão estigmatizante. “L. fugiu pelo menos três vezes da clínica com piscina, sauna, salão de jogos e cinco refeições por dia”. Segundo a jornalista, a vida de L. seria confortável. A conta das diárias da clínica variava de “R$ 150 a R$ 300”.
Denunciando a abordagem preconceituosa e a falta de discussões sobre o problema, a opinião de Carmem Silveira de Oliveira, publicada sob o título “O direito à recuperação” em 10 de agosto de 2010, sustenta que o artigo de Eliane “pretendeu demonstrar a impossibilidade de sua recuperação” ao descrever a garota como drogada que, “para sustentar o vício, se prostituía pelas ruas do Distrito Federal como uma ratazana”.
Trevisan, segundo a crítica de Oliveira, criminaliza a vítima e ignora seus direitos, ocultando “o fato de que meninas e meninos nessa situação têm suas vidas marcadas pela ausência de oportunidades de estudo, lazer e convivência familiar e suas trajetórias são caracterizadas, em geral, pela situação de rua e violência sexual, ou seja, acabam condenados a vivências que comprometem todo seu processo de desenvolvimento”.
A escolha das fontes usadas na reportagem também é criticada por Oliveira, já que, mesmo tendo ouvido diversos profissionais ligados ao atendimento às crianças e aos adolescentes, Eliane teria se baseado principalmente nos relatos de uma amiga da garota e de uma traficante. Quando se considera a maioridade da garota como “mais um início numa trajetória vivida em looping constante”, a visão estereotipada é reforçada, assim como a ideia da impossibilidade de sua recuperação.
Questões como o que é o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte e o que significa a participação da garota no programa não ficam claras. As lacunas apontam para a preferência pela narrativa preconceituosa de supostos fatos em detrimento de uma discussão sobre a responsabilização de agentes públicos e atores sociais.
A matéria deveria, segundo as concepções subjacentes à legislação brasileira atual sobre a questão, abordar o fato como um problema público e como uma manifestação de quanto e como os direitos das crianças e dos adolescentes são violados diariamente.