Mariane Bovoloni
Matéria publicada na edição n° 950 – referente à semana do dia 20 de junho de 2010 – na Folha Universal, jornal da Igreja Universal do Reino de Deus, enfocou a relação da juventude com violência, bebidas e drogas. Na capa da edição, o jornal expõe a pergunta que norteará o desenvolvimento da matéria: “Brigas, bebedeiras, rebeldia. Por que os jovens de hoje vivem uma crise de valores e colocam em risco o próprio futuro?”.
Com o título “Futuro na lona”, a matéria cita três casos de jovens envolvidos em violência. No primeiro, o problema estaria no tráfico de drogas no morro carioca da Rocinha, em que “é comum que alunos sejam parentes de integrantes de grupos criminosos, ou até que participem da venda de drogas”. O segundo seria na cidade de Jundiaí, interior de São Paulo. Lá, gangues controlariam espaços públicos e agrediriam quem não pertencesse ao “grupo”. Nesse caso, segundo a matéria, “os garotos e garotas podem ser realmente violentos, mesmo com pouca idade”. Por último, em Florianópolis, Santa Catarina, tanto pré-adolescentes como adolescentes combinariam lutas e se enfrentariam em ringues improvisados. “Cada rival era orientado a bater até não agüentar mais e, então, desistir assumindo para uma câmera o fracasso. A derrota vinha acompanhada de humilhações e era disponibilizada na rede”, de acordo com o texto.
Ao longo das quatro páginas que a matéria ocupa e através dos três exemplos de violência citados, tenta-se entender o motivo dos jovens estarem “sem limites”, “sem rumo” e imersos em uma “crise de valores”. De acordo com a fala de uma de suas fontes, um desses motivos seria a falta de limites imposta pelos pais: “Os limites não são dados mais entre os adultos, que têm o papel fragilizado. Eles [os jovens] criam fronteiras nas quais a gente não penetra. Se um adulto falar de embriaguez, os jovens vão rir da cara dele”.
Compõe a matéria, também, dados divulgados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), ligado à Universidade Federal de São Paulo, relativos ao consumo de bebidas alcoólicas por jovens paulistanos entre 15 e 18 anos, estudantes do Ensino Médio privado. A pesquisa indica, por exemplo, que um terço dos 5.226 estudantes “declarou ter se embriagado com cinco ou mais dozes de álcool ao menos uma vez no mês anterior”. Dados como esse comprovariam as afirmações da matéria.
Com o subtítulo “Crianças e adolescentes trocam socos, formam gangues e consomem álcool e outras drogas sem limites. O que está acontecendo com a juventude?”, a matéria generaliza. Usando o termo “juventude”, ela pressupõe que, como um todo homogêneo, os jovens de hoje estão da mesma forma envolvidos com o que a matéria discrimina e apresentam a mesma “crise de valores”. A matéria se propõe a ser um panorama da geração atual, mas a enfoca somente pelos aspectos negativos, tornando-se o panorama da geração que ela considera “sem rumo”.
Além disso, cabe salientar que os três casos de violência apresentados possuem especificidades. Cada um deles está inserido em contextos sociais diferentes e não poderiam ser comparados como se fossem, da mesma forma, exemplos da “geração sem rumo”. No caso dos adolescentes da favela da Rocinha, o envolvimento com o tráfico pode se dar por questões como a alternativa de sobrevivência e a falta de oportunidades de estudo e emprego. Enquanto isso, o que leva pré-adolescentes e adolescentes da classe média de Florianópolis a combinarem lutas seria mais uma questão de autoafirmação. Esse é um exemplo de como tais situações de violência não devem ser examinadas em recortes desvinculados de problemas sociais mais amplos, como ocorreu na matéria da Folha Universal.
Na matéria, três fontes são citadas: um professor da Rocinha, uma jovem de Jundiaí e uma psicóloga do Cebrid. Não há fontes dos governos envolvidos, e o poder público não é citado. Este cenário leva ao único caminho possível de solução: a fé. E é assim que a matéria propõe solucionar o problema. Mesmo utilizando dados concretos da pesquisa do Cebrid, a solução proposta é abstrata. Primeiro, a matéria aponta a influência fundamental da família sobre o consumo de álcool. Depois, através dos depoimentos da psicóloga, a qual teria “uma tese de doutorado sobre a importância das práticas religiosas na recuperação de dependentes químicos”, a matéria sustenta a importância da religião para os que desejam largar o vício, finalizando: “A família, a religiosidade e a informação podem ter papel importante ao se lidar com o problema”.