Juliana Santos
Não é novidade alguma que a Itália é um território onde mafiosos praticaram e praticam atos que contrariam a lei. No entanto, atualmente esses atos estão encontrando respaldo para serem encobertos pela lei, possibilitados por um governo que prioriza interesses pessoais ao invés dos públicos.
A política italiana encontra-se em tal situação que as instâncias democráticas estão sendo impedidas de exercer plenamente sua função junto à população. Através da má administração dos meios legais, o governo atinge setores como o jornalismo e interfere na liberdade da informação divulgada.
Na edição 602 da revista “Carta Capital” de 30 de junho de 2010, a matéria intitulada “O sultão e seu sultanato”, do jornalista Mino Carta, apresenta um panorama de como ao longo de anos a política italiana chegou à condição atual.
A matéria analisa a recém-aprovada “lei-mordaça”, um projeto do Ministro da Justiça que proíbe, até o início de um processo judicial, que sejam divulgados interceptações telefônicas e grampos telefônicos solicitados pela justiça. O não cumprimento da lei pelos jornais pode acarretar multas, e o jornalista que desrespeitar a norma pode chegar à prisão.
As proibições da justiça da Itália ao jornalismo vão mais longe. Fica proibida também a publicação do texto integral das atas de investigação até o término da audiência preliminar, as televisões estão impedidas de focalizar os magistrados no interior do Palácio de Justiça, e os procuradores não podem prestar declarações.
A lei ainda é mais sugestiva quanto às intenções do governo, no ponto referente de no caso de crime organizado, as interceptações telefônicas só poderão acontecer no máximo de 75 dias.
No entanto a matéria mostra que a lei possui vários pontos inconstitucionais, como é ressaltado pelo Presidente da Câmara Gianfranco Finni, o qual defende que a aprovação da medida na Câmara deve ser precedida por um debate de medidas econômicas.
Ao revelar como essa lei poderia ter acobertado outros casos que vieram a conhecimento do público, a matéria mostra que a intenção do governo da Itália está mais próxima de uma auto proteção do que a proteção da privacidade do cidadão, como bem é destacado nas palavras escritas pelo autor do best-seller “Gomorra”, Roberto Saviano: “A lei-mordaça não defende a privacidade do cidadão, defende é a do poder”.
Mas nem tudo está perdido. Mino Carta destaca que a lei-mordaça foi aprovada pela maioria direitista do Senado, com o apoio e apelo do primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, o qual não enfrentaria uma situação favorável. O premiê, que teria adquirido uma imagem negativa em todo o mundo em razão de diversas notícias sobre seus hábitos extravagantes, também enfrentaria problemas dentro da coligação governista e com o Presidente da República, Giorgio Napolitano: “Sim, Berlusconi clama constantemente contra uma Constituição que, diz ele, lhe ata as mãos, e até ameaça reescrevê-la, mas nada disso facilita as relações entre o premier e o presidente da República, a quem compete assinar a lei antes da promulgação. (…) É direito que a Constituição lhe confere. Que fará Berlusconi? Quem sabe se prepare a enfrentar um presidente que não é a rainha da Inglaterra”.
A proximidade entre o crime organizado e o governo é exemplificada na matéria, com a comparação feita pelo jornalista entre um sultão e seu sultanato, e Berlusconi e os mafiosos.
Chegando mais ao fundo, Mino Carta cita um episódio em que o procurador nacional antimáfia, Piero Grassi, foi questionado por que a onda de atentados mafiosos ocorridos até meados de 1993 cessou repentinamente e lançou a hipótese de “que se pretendesse criar um clima capaz de favorecer o nascimento de uma nova “entidade política””. O que é reforçado na matéria pelas palavras do ex-presidente da República Carlo Azeglio Ciampi, que acredita na força política criada para aproximar governo e máfia, no que ele chama de “todo um regime de recíprocos favores”.
Aproximando-se da raiz da política que domina a “República da Itália”, a matéria volta ao ano de 1981, quando foi descoberta a loja maçônica Propaganda Due, conhecida como P2. Segundo a matéria, a loja secreta tinha o objetivo de subverter o modelo político em vigor e pretendia assumir o poder conforme um “plano de renascimento” que colocaria seus membros no comando do governo. Revelando os planos que a loja maçônica pretendia colocar em prática quando alcançasse o poder, o jornalista chega à convergência entre esses e os pontos do programa de governo de Silvio Berlusconi, o qual não surpreendentemente é revelado como membro da P2. Como afirma a matéria, na época, a P2a ssimarecida na matnco Finni, itucionais,que a ados. at to a mal. pololpi possuía mais de 2 mil filiados, entre eles, parlamentares, ministros e outras autoridades do governo atual.
E a complexidade do problema vai se apresentando mais claramente. A história narrada pela matéria começa a aproximar-se de fatos de um filme, com direito a máfia, paraísos fiscais e assassinatos.
Como a matéria nos coloca, a imprensa italiana tenta expor seu protesto contra a lei, como o jornal La Repubblica, que um dia após a aprovação do projeto no Senado trouxe sua capa quase em branco, somente com um bilhete aos leitores com a seguinte mensagem: “A lei-mordaça nega aos cidadãos o direito de serem informados”. Na próxima página o diretor do periódico expõe considerar a lei “uma violência no circuito democrático”.
Infelizmente o caso da Itália não é isolado. Recentemente em nosso país tivemos o episódio de José Sarney e a censura ao jornal O Estado de S. Paulo. No ano passado, o jornal foi proibido de divulgar informações sobre a operação da Polícia Federal que investigava a ligação do senador com atos secretos. Os arquivos de áudio que provavam o envolvimento de José Sarney com os atos secretos foram proibidos de serem veiculados, e a censura ao jornal e ao seu portal de notícias na internet dura até hoje.
Finalmente, Mino Carta ressalta como o governo italiano e o sultanato criado por ele denigre a imagem de um país com mais de 3 mil anos de história, o qual foi berço de várias povos europeus e é considerado uma nação desenvolvida. A matéria apresenta de forma completa um assunto que normalmente não encontramos na mídia, mas que possui importância sobre o destino do jornalismo nas democracias atuais.