Emissora pública, de que público?


Douglas Calixto


É inegável que os fluxos econômicos – e os departamentos financeiros de uma forma geral – influem sobre o cotidiano da produção jornalística dos diversos meios de comunicação em nosso país. As pautas e as reportagens nas mídias comerciais obedecem a uma espécie de lógica de mercado que privilegia os produtos que dêem retorno aos cofres da empresa, por meio de propagandas veiculadas entre os intervalos.

Pensando sob essa perspectiva, é difícil imaginar que a imprensa possa cumprir alguns preceitos básicos daquilo que deveria ser o papel social da mídia, tais como: agendamento de assuntos pertinentes à esfera pública; promoção da cidadania; espaço para a pluralidade nacional etc.

Como reverter essa situação e como fazer com que a mídia respeite os deveres de quem explora o espectro público são questões que devem ser melhor trabalhadas, pois será nesse eixo que o Brasil encontrará elementos concretos para a construção dos meios de comunicação responsáveis com a sociedade.

Enquanto isso, uma solução mais palpável para a criação de um modelo interessante e compromissado de mídia passa e se estabelece na TV Pública.

Devemos pensar dessa forma, pois as televisões públicas (também chamadas de TVs educativas), teoricamente, não obedecem a mesma lógica das demais: são financiadas e mantidas por esforços da esfera pública e, como conseqüência, têm autonomia suficiente para ousar e estabelecer novas e inovadoras formas de produção jornalística. Além de um grande espaço para a democratização da comunicação, podem, também, ser locus para experimentos de novos formatos – tanto em narrativa quanto em enredo.

As TVs públicas devem ser um espaço para arrojo e um porto seguro para jornalistas que acreditam na boa prática (sustentável, crítica, intelectualizada e responsável com a sociedade) da Comunicação Social. No entanto, a convivência com uma dualidade acaba por prejudicar essa idéia de “porto seguro”: buscar audiência e massificar a sua produção, ajudando um número maior de pessoas a ter acesso a um bom conteúdo midiático, ou manter o nível elevado de intelecto em sua produção, afastando-se, assim, do alcance de grande parte da população?

Para propor uma reflexão acerca dessa questão, vamos partir da seguinte indagação: para quem deveria ser focada a programação de uma TV educativa como a TV Cultura? Para as classes populares, órfãs de uma programação densa em conteúdos, ou para uma “elite intelectualizada”, capaz de assistir e compreender programas como a “Invenção do Contemporâneo” ou “Roda Viva”?

Evidentemente que deveríamos formar cidadãos com o grau de instrução suficiente para decidir – com seu próprio intelecto – se devem assistir à novela das 8 ou a uma discussão fervorosa, por exemplo, acerca do Estruturalismo de Claude Lévi Strauss. Mas não formamos e vemos, como conseqüência, uma sociedade inteira passiva e bestializada, educando-se e tomando os seus rumos conforme os trejeitos dos heróis e os vilões criados na teledramaturgia.

Pelo bem de nossa sociedade, as emissoras públicas deveriam mudar essa lógica de funcionamento. Os grandes conglomerados comunicacionais deitam e rolam em nossa sociedade, pois não encontram um contraponto inteligente e bem articulado capaz de criar uma alternativa real para os receptores.

E que fique claro: a mudança não passa por uma completa readequação aos padrões comerciais de produção para TV e à indústria cultural, mas, sim, por políticas estratégicas capazes de tornar mais “digerível” à grande massa o excelente conteúdo que vemos atualmente na TV Cultura, por exemplo. Ora, esse é o grande desafio do comunicador: transformar pautas absolutamente complexas em produtos (programas, reportagens, notícias) interessantes e capazes de serem compreendidos pela população. Com certeza, existem profissionais interessados em trabalhar nessa desafiadora plataforma. Inclusive, o autor deste texto se coloca à disposição.

Logo, e como exercício de sua profissão, os comunicadores devem entender a diferença básica entre as emissoras públicas e as privadas. Enquanto estas trabalham para consumidores, aquelas trabalham para cidadãos. Entendendo esse eixo, mudanças significativas podem ocorrer na compreensão que temos hoje da produção jornalística, que deve ser repensada.


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