As demandas da comunicação pública no Brasil atual


Danilo Rothberg



Em muitas áreas de atuação profissional, tende a existir significativa distância entre a formação de nível superior e as exigências do cotidiano de trabalho. Na área de comunicação, o deslocamento também ocorre, com o agravante de que novos espaços de desempenho podem permanecer pouco explorados em função da escassez de quadros adequadamente preparados.

Tal pode ser a situação da comunicação pública digital. Portais eletrônicos de governo, por exemplo, vetores de silenciosas transformações operadas recentemente no âmbito do relacionamento entre governos e cidadãos, continuam, especialmente no Brasil, a ser utilizados aquém de suas potencialidades.

Embora a qualidade das informações de um portal exija o empenho de equipes multidisciplinares nas quais os bacharéis em comunicação — jornalistas e relações públicas, principalmente — são indispensáveis, a formação acadêmica raramente contempla as habilidades ali requeridas.

Em princípio, para atuar na produção de portais em sintonia com as exigências de atendimento do direito à informação sobre políticas públicas nas democracias contemporâneas, é preciso dominar referenciais que vem, antes de tudo, da ciência política. Precisamente, da área de avaliação de políticas.

Certamente, grande parte dos conteúdos de sociologia, história e direito prevista nas grades curriculares dos cursos de comunicação pode fundamentar a inserção nas equipes responsáveis por sítios de governo. Mas é desejável que as disciplinas relacionadas tracem efetivamente conexões entre abordagens teóricas e aplicação prática em tarefas de comunicação pública.

A partir de um perfil embasado naquelas disciplinas, o profissional deve ser qualificado para obter informações segundo os critérios de avaliação de políticas públicas, que incluem o exame de antecedentes, diagnósticos, objetivos, metas, ações e recursos empregados, eficiência, eficácia, efetividade, impacto e eqüidade. Uma vez dotado de dados sobre estes aspectos, o comunicador deverá contribuir com sua expertise própria para o dimensionamento de abordagens de comunicação adequadas à provisão de informações para pavimentar o exercício dos direitos políticos de cidadania. Dependerá em parte da qualidade de seu trabalho a realização das potencialidades dos portais eletrônicos de governo, que devem fundamentar tanto as tarefas de análise crítica para a participação eleitoral quanto as novas oportunidades de participação política dadas por conselhos municipais e consultas públicas promovidas através da internet.

Enquanto as grades curriculares da comunicação deixam de envolver de maneira apropriada métodos e conteúdos de ensino para a atuação na construção de portais eletrônicos, prosperam o amadorismo e a improvisação, que tem resultado em sítios incompletos, fragmentados e ineficientes. Links quebrados e propaganda de governo, absolutamente indevida quando a comunicação é pública, são comuns, por exemplo, no portal paulista (www.saopaulo.sp.gov.br). Abordagens superficiais e sem ligação coerente com a enorme massa de dados já disponível em outras instâncias de governo são uma das características do portal federal (www.brasil.gov.br).

É verdade que as oportunidades de aperfeiçoamento somente aos poucos estão sendo apontadas pela pesquisa científica (*). Mas, à medida que as lacunas vão sendo indicadas, torna-se cada vez mais necessária a formação de recursos humanos para a arquitetura de sítios de fácil acesso e o dimensionamento adequado de informação de qualidade. A reformulação curricular aguardada para os cursos brasileiros de comunicação, na esteira da desregulamentação da profissão de jornalista, deve estar atenta a estas transformações.

* No âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faac/Unesp, obtive financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para pesquisar a qualidade da informação, em corte comparativo, dos portais saopaulo.sp.gov.br e brasil.gov.br. Os primeiros resultados da pesquisa serão apresentados no 34º Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).


Deixe um comentário