Juliana Santos e Danilo Rothberg
O jornalismo é produzido através de ângulos e enquadramentos, que abordam os fatos de determinados modos e, assim, influenciam a formação da opinião pública através de ênfases e escolhas.
Enquadrar é selecionar alguns aspectos da realidade e ressaltá-los, levando a uma avaliação particular de um fato. Assim, ao destacar determinados aspectos de certo assunto, o enquadramento adquire força para ajudar a definir a forma como o público percebe um acontecimento. Por isso, o enquadramento pode ter um grande poder em processos políticos, tendo em vista que contribui para definir problemas e seus responsáveis.
Há vários tipos específicos de enquadramento. Em coberturas políticas, comumente é adotado o enquadramento de jogo, que ocorre quando os temas mais enfocados são ligados as possibilidades dos candidatos na disputa eleitoral, dando pouco espaço para assuntos mais aprofundados, como as propostas e perfis de governo. Outro tipo de enquadramento comum em coberturas eleitorais é o de conflito, que coloca os personagens como antagonistas em embate, prejudicando a apresentação de informações referentes às plataformas de governo dos candidatos.
Nas coberturas políticas, também se observa o uso do enquadramento estratégico, que ocorre quando um jornal apresenta as atitudes do candidato como lances de um jogo que tem unicamente o propósito de maximizar suas vantagens nas urnas.
O enquadramento estratégico tem sido usado pelo jornal Folha de S. Paulo na cobertura dos pré-candidatos às eleições presidenciais deste ano. Tal ênfase tende a dificultar a veiculação de informações úteis para manter o leitor atualizado sobre as ações programáticas das pré-candidaturas.
A análise de dez edições da Folha publicadas entre 1º e 10 de maio de 2010 com José Serra e Dilma Rousseff como personagens principais revela que, embora exista um equilíbrio na cobertura de cada um dos dois pré-candidatos, prevalece a ênfase sobre estratégias de campanha.
Matéria de 7 de maio, por exemplo, sustenta que declarações de Serra têm o objetivo de evitar a polarização entre PT e PSDB. Segundo o jornal, Serra pretenderia ter, além de PT, também o PV em seu governo. O jornalista sugere o porquê: o “aceno de Serra ao PT e ao PV faz parte da estratégia do tucano de não assumir o papel de candidato de oposição a Lula”, sustenta.
A respeito dessa suposta tática de campanha, a cobertura ainda oferece desdobramentos. Já uma matéria de 8 de maio julga deliberadamente o comportamento de Lula e Dilma em relação à declaração de Serra. “O presidente Lula e a pré-candidata do PT à sucessão presidencial, Dilma Rousseff, reagiram ontem com sorrisos e ironia à declaração feita na véspera pelo presidenciável do PSDB, José Serra, de que, se eleito, pretendia ter o PT em seu governo”.
Na edição de 9 de maio de 2010, o foco se dá sobre as críticas em torno da suposta inexperiência de Dilma, provenientes de Serra, Alckmin e FHC. “Em campanha, Serra investirá no confronto de seu currículo com o de Dilma, numa tentativa de evitar que a disputa se concentre na comparação entre os governos Lula e FHC”. Esta suposta estratégia do PSDB figura na matéria como constatação do próprio jornalista. Assim, conforme as características do enquadramento estratégico, as ações dos políticos são denunciadas pelo jornalista como calculadas para o alcance de seus objetivos.
Cabe questionar se o jornal cumpriu devidamente sua função de divulgar informações úteis para o leitor sobre as propostas e programas de governo dos candidatos para atender a sociedade de forma democrática.