O chavismo e a Venezuela no discurso da Folha de São Paulo


Leo Juárez Liberatori


Este texto tem a finalidade de fazer uma análise sob o tratamento dado à Venezuela e Hugo Chávez pelo jornal Folha de São Paulo, tendo como recorte o mês de abril de 2010.

Em termos gerais, pode-se observar que a imagem que a Folha tenta construir sobre Chávez e os processos políticos que acontecem na Venezuela se encontra em sintonia com a imagem defendida pelos grandes meios da comunicação massiva, e não somente os do Brasil, mas também os grandes grupos midiáticos do resto do mundo que tentam representar a Venezuela como país antidemocrático, prepotente e corrupto; elaborando, portanto, uma imagem negativa de Venezuela.

Durante o mês do abril houve 14 matérias sobre Venezuela e o chavismo e, em todas, a tônica foi a mesma: desprestigiar por qualquer meio possível as políticas do presidente Chávez e da Venezuela. Qualquer fato acontecido em Venezuela tornou-se, sistematicamente, um álibi para deslegitimar a figura de Chávez.

Nossa análise não pretende defender o Chavismo. Sem dúvida, como qualquer governante, o presidente venezuelano desperta controvérsias. Apenas destacamos que a Folha se mostra politicamente opositora ao regime de Chávez, mas não de uma forma explícita. Veremos como os argumentos utilizados pelo jornal podem ser refutados através de uma análise das estratégias discursivas empregadas por suas matérias.

Estratégias discursivas[1]

A Folha utiliza diferentes estratégias discursivas para que seus argumentos passem despercebidos aos olhos do leitor.

A primeira delas é fazer uma naturalização dos fatos aos olhos do leitor, isto é, acostumar o leitor à idéia de que, sempre que se fale de Venezuela e de Chávez, será para mostrar algo negativo e, com base nesta caracterização, a pessoa de Chávez e seu governo se alinham dentro dessa ótica negativista. De fato, uma forma adequada de se atingir esse objetivo é através da insistência, ou seja, apresentar a temática em distintas matérias sempre desde uma mesma perspectiva.

Nas matérias analisadas podem-se achar duas estratégias que são aplicadas juntas: uma é da objetividade e a outra é da legitimidade da palavra autorizada. A Folha apela ao uso de entrevistas de personalidades que possuem suposta autoridade para opinar a respeito das temáticas abordadas (profissionais, intelectuais etc.). O objetivo destas estratégias é duplo: por um lado, o jornal, ao apresentar seu próprio discurso como “outra voz”, consegue manter a neutralidade respeito da temática abordada; por outro lado, consegue dar mais força a seu argumento, uma vez que a fonte supostamente possui conhecimento sobre a temática abordada.

Um exemplo está em matéria de 18 de abril de 2010, na qual o jornal entrevista o antropólogo e historiador venezuelano Fernando Coronil, que opina sobre a situação da Venezuela, o chavismo e o ressurgimento da figura de Bolívar no momento do bicentenário da nação. “Essa reiteração de heróis do passado (Bolívar) ocorre porque há crise de futuro”, diz. “Este é um momento difícil para o chavismo. Todo o encanto tem de se basear em conquistas, não só em palavras. A crise energética a inflação, a insegurança, a crise produtiva e a corrupção minam seu projeto. Contra o desencanto, Chávez propõe intensificar a polarização entre revolucionários e ‘burgueses pitiyanquis’. A única estratégia que pode ter êxito agora é o encanto da eficiência”.

Também podemos achar a estratégia da objetividade associada já não somente à palavra autorizada, mas também à palavra da maioria. Por exemplo, com diferentes dados estatísticos (portanto também objetivos) que certifiquem o descontentamento com o governo. “Seu governo  (…) atravessa momento delicado. A popularidade do presidente caiu (44%, segundo instituto Datanálisis), efeito do desgaste da crise energética e da inflação”, segundo matéria de 20 de abril de 2010. “Os ‘twitteiros’ anti-Chávez conseguiram emplacar, em fevereiro, o marcador freevenezuela como o quarto mais usado no mundo”, de acordo com matéria de 17 de abril de 2010.

Outra técnica empregada pelo jornal, esta mais explícita, é a utilização de adjetivações que tentam desqualificar certas ações do governo venezuelano, cmoo neste exemplo de 18 de abril de 2010: “(…) também está prevista a inauguração de um controverso busto de Fidel Castro”. Ou neste, de 20 de abril de 2010: (…) desfilou a controversa Milícia Nacional Bolivariana, composta por militares da reserva e civis treinados pelo governo –de estudantes e funcionários públicos a camponeses”.

Outra forma de deslegitimar o outro é através do medo, apresentando-o como perigoso ou ao menos suspeito, como neste exemplo de 6 de abril de 2010. “Os EUA expressaram sua preocupação quanto à venda de armas para Venezuela. Ontem, um porta-voz do Departamento do Estado disse que o anúncio da Rússia pressiona os EUA a analisarem ‘quais necessidades de defesa legítimas a Venezuela tem’. ‘Se a Venezuela vai aumentar sua capacidade militar, certamente não queremos ver esse equipamento migrar para outras partes do hemisfério’. Embora não tenham sido diretos desta vez, os EUA já acusaram no passado Chávez de armar a guerrilha das Farc”.

Por último, podemos mencionar a estratégia de desqualificar as visões do mundo que o outro propõe (neste caso o chavismo), na tentativa de reconhecê-las como ilegítimas e qualificá-las como meras intenções do governo com a finalidade de criar uma falsa realidade. “Meios de comunicação estatais e principalmente Chávez se esmeram para fixar a leitura oficial da efeméride: trata-se do começo da luta pela soberania da Venezuela que só está sendo completada agora, pela ‘Revolução Bolivariana’” (Folha, 18-04-2010). “Chávez se esmera para fixar a idéia de que a comemoração do bicentenário representa a retomada das idéias do herói da independência Simón Bolívar” (Folha, 20-04-2010)

Também se pode desqualificar a visão do mundo que o chavismo propõe, apresentando-a como uma contradição à situação que o país atravessa. “Em meio da crise energética e inflação, Chávez prepara grandiosa festa de aniversário da independência e intensifica ligação com Bolívar”, segundo matéria de 18 de abril de 2010.

Conclusão

De uma perspectiva sócio-semiótica, pode-se afirmar que o homem dá sentido à realidade: esta não é indiferente para ele. O sentido que o homem atribui à realidade está sustentado no discurso. Segundo Eliseo Verón, “o discurso faz uma referencia a um conjunto da imagem que é produzida coletivamente e que determina uma visão do mundo. É a base para que a realidade tenha sentido para nós” (Verón, 1997)[2].

A apropriação do sentido da realidade não é determinada nem arbitrária, nem se manifesta pacificamente; existem diferentes atores que lutam entre si para impor a visão do mundo que cada um deles considera legítima. Dentro dessas lutas, os meios de comunicação ocupam um lugar central, pois é através deles que os distintos agentes sociais expressam e conseguem legitimar estas visões. Portanto, os meios conformam um campo social (em termos bourdianos), do qual eles se apropriam para atingir seus objetivos.

É por isso que não é nem arbitrário nem neutro o tratamento que o jornal Folha de S. Paulo confere à realidade política da Venezuela e seu atual presidente. Sua estratégia representa uma tomada de posição ideológica devido ao fato de que a visão do mundo que Chávez tenta colocar no espaço discursivo é rejeitada e combatida pela ideologia que o jornal representa.


[1] Entendo por estratégias discursivas a aqueles mecanismos retórico-discursivos através dos quais um agente social da sentido à realidade. É assim que os agentes sociais tentam colocar num campo discursivo (neste caso, o campo constituído pela Folha e sua comunidade de leitores) uma visão do mundo que tenta ser hegemônica e abrangente.

[2] Verón, Eliseo (1997): Semiosis de lo ideológico y del poder. La mediatización (Cursos y conferencias). Universidad de Buenos Aires, Oficina de Publicaciones, Buenos Aires, p.11.


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