Karen Terossi
Basta limpar o ar condicionado e o sistema de ventilação que os problemas estão resolvidos: não haverá mais doenças respiratórias decorrentes do ambiente ou de atividades profissionais. Essa fórmula simples e estranha foi proposta pelo jornal Folha de S. Paulo, no caderno de Classificados, em 2 de maio de 2010 e também na Folha Online.
A informação da matéria da Folha Online é a de que, no Brasil, há um baixo número de notificações de pessoas com doenças respiratórias de causas ocupacionais, em relação às estimativas do real número desses casos.
O problema, no entanto, está na matéria complementar que tem, já no título, uma receita que se propõe a ser garantia de êxito na prevenção e combate a essas doenças: “Limpeza de ar-condicionado e ventilação garantem saúde do funcionário”.
Ocorre que a mesma fonte a quem a jornalista teve acesso, Eduardo Algranti, médico da Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, também possui outras indicações sobre a prevenção desse sério problema de saúde pública.
Nos arquivos de evento promovido pela Fundacentro em 28 de abril, encontramos uma apresentação de autoria de Algranti com dados que nos fazem pensar por que a reportagem negligenciou, por exemplo, mineiros de carvão, pedreiros, serralheiros, pintores e cortadores de cana. Certamente não é uma limpeza no ar condicionado ou no sistema de ventilação que garante a saúde deles no ambiente de trabalho.
Se, ainda, a matéria se referisse aos trabalhadores de indústrias de plásticos, química e farmacêutica, de metais e eletrônicos, só para citar mais alguns exemplos, os cuidados com a saúde respiratória certamente também iriam além dessa “limpeza”.
Pensando em termos de público-alvo do jornal, pode-se estimar que o leitor da Folha talvez trabalhe em um ambiente com ar condicionado ou freqüenta lugares assim.
A preocupação da matéria é a mesma dos empresários com seus funcionários. Mas, acima disso, envolve tanto os sistemas de saúde quanto a questão previdenciária. A redução do trabalho àquele desenvolvido em ambientes de climatização controlada não indica somente uma preocupação com o cotidiano mais visível dos leitores do jornal. Ela revela uma displicência com relação a um tema de interesse público de extrema relevância, a saúde pública.