Laís Bellini
A intervenção estadunidense na América Latina não é de hoje. Por diversos motivos que se resumem sempre ao poder político e econômico mundial e, portanto, numa atitude imperialista, os Estados Unidos sempre atuam impondo, em cima dos nossos países, suas próprias maneiras de agir. Não é diferente com a questão da “guerra às drogas”.
Desde o fim do século XIX, o ideário proibicionista sustentado por religiosos com grande força política passou a condenar o uso do álcool e de outras drogas que “ameaçavam” o conhecido american way of life. Associavam o acesso e o uso às minorias do país: negros e estrangeiros.
Foi com tal discurso que o jornalista Júlio Delmanto desenvolveu a matéria sobre o fracasso da estratégia penal da chamada “guerra às drogas”, na edição de maio de 2010 do periódico “Caros Amigos”. A necessidade de alternativas fez o jornalista transcorrer, ao longo de três páginas da revista, por opiniões divergentes mas que se aproximavam no posicionamento a favor da descriminalização.
Júlio Delmanto partiu da ideia de fracasso da guerra às drogas na América Latina formuladas em conferência da ONU há mais de um ano e provou que atitudes radicais como a dos Estados Unidos não trouxeram resultado satisfatório. O país continua sendo grande consumidor de drogas mesmo com a criminalização dos usuários que se resumem na acusação e conseqüente condenação, em sua maioria, de negros, pobres e estrangeiros.
No Brasil, a reação à criminalização não é diferente. Como bem afirma na matéria Sérgio Vidal, militante antiproibicionista e representante da União Nacional dos Estudantes no Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas, com as pressões do senso comum, das “famílias de bem” a favor da luta contra as drogas, poucos são os políticos que se posicionam a favor da liberalização. Há o medo de perder votos porque a sociedade é ignorante quanto ao assunto, não apoiaria tal proposta.
A partir daí Júlio Delmanto abre espaço para informar o leitor que desconhece todo o processo estadunidense de dominação política na América Latina ofuscada pela ideia de apoiar os países a lutar contra o uso, a produção e o tráfico de drogas. “Desde seu princípio, a estratégia de modelo penal no trato de substâncias psicoativas teve como alvo setores da população que o Estado desejava controlar”. Essa atitude partiu dos Estados Unidos e não foi diferente nos países que apoiaram e se incluíram na guerra às drogas. No Brasil, por exemplo, houve o aumento da criminalização de jovens pobres e negros, aumento da corrupção policial, domínio territorial pelo trafico e aumento do comércio ilegal de armas, como afirmou Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública.
Trazer essa afirmação por tal cargo dá força a sua fala e consequentemente faz o leitor pensar que a própria criminalização pelo uso de drogas é um círculo vicioso que traz, consequentemente, todos os males citados acima. Para a maioria da sociedade esse círculo já é conhecido, no entanto, partia do uso das drogas e não da ideia de incriminar o usuário, que é o discurso das nações a favor da guerra às drogas.
Com explicações históricas e diversos especialistas opinando e entrando num consenso, Delmanto consegue convencer muitos leitores. A estratégia de explicar o que se desconhece, familiarizar com o assunto, trazer especialistas que entram num acordo oposto ao senso comum faz o leitor pensar, ao menos.
As invasões dos Estados Unidos à Colômbia e ao Afeganistão são usadas como exemplos de insucesso na atuação dos combatentes às drogas. Os dois países tiveram as produções de cocaína e heroína elevadas. O mercado das drogas sendo ilegal é ocupado pelo setor mais pobre da sociedade, como afirma Vera Malaguti Batista, secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia. Assim, a atitude de incriminar o traficante deve-se a vontade de controlar este setor social. No Brasil, esse intuito busca controlar as favelas.
Jovem da classe média ou alta que seja preso, no Brasil, por porte de drogas é exceção. E não podemos afirmar que a droga não chega às mais altas classes da nossa sociedade. Elas chegam, mas estas são consumidoras, apóiam o tráfico, não são o traficante que sobrevive pelo tráfico na favela, criminalizado pelo mercado que leva a droga ao consumidor da classe A. Essa imagem do vendedor de drogas é, como afirma Soares, “uma construção social (…) que funciona como instrumento de reprodução de preconceitos e desigualdades sociais”.
Delmanto segue a reportagem expondo as posições dos partidos brasileiros diante do assunto. Não à toa, FHC é criticado. Delmanto abre espaço para o ex-secretário nacional anti-drogas do governo de Fernando Henrique, Walter Maierovitch. Walter é claro ao afirmar que as intenções de FHC quando estava no poder era se associar aos Estados Unidos e a sua política de criminalização. Atualmente, o ex-presidente se mostra engajado à ideia de descriminalização, contudo, esse novo discurso é considerado, por Maierovich, simplista e oportunista, de alguém que está incomodado com o sucesso internacional de Lula.
Delmanto, portanto, abre espaço para criticar os tucanos, nada que impressione, já que a política editorial do periódico é mesmo de esquerda. Usa, contudo, bons argumentos e boas fontes ao trazer para a reportagem, um personagem que já foi do governo tucano e que hoje critica suas atuações.
Por fim, o jornalista abre espaço a todas as fontes usadas ao longo da reportagem para que essas deem suas opiniões e sugestões de alternativas para a então política falha da guerra às drogas. Uma reportagem completa que trouxe discursos de diversos especialistas do assunto e posições políticas.