Cidadania: o papel da mídia


Murilo César Soares


O que a mídia tem a ver com a cidadania?  Esta é a questão central deste Observatório e, naturalmente, irá se desdobrando ao longo das edições.

No texto anterior já mencionamos o assunto.  Hoje, queremos colocar mais duas idéias sobre ele, sem aborrecer o leitor com pormenores.  Primeiro, é importante deixar claro que a cidadania, modernamente, significa a posse de direitos, sejam eles civis, políticos ou sociais.  Esses direitos encontram-se inscritos nas leis, a começar da maior de todas, a Constituição.  A existência de direitos é uma garantia de limites para a ação do Estado, mas também constitui fundamento para as reivindicações da sociedade, sejam elas por saúde, educação, moradia.  Os direitos legitimam as reivindicações.

A segunda idéia é de que é papel do jornalismo  estar atento à questão dos direitos e à sua violação, em especial pelas autoridades (mas também por outros agentes).  Os meios noticiosos não têm poder efetivo, mas dispõem do poder simbólico, ou seja, o de narrar e difundir os assuntos, tendo a capacidade de influenciar correntes de opinião (de cidadãos), chegando às autoridades.

É nesta triangulação cidadãos / meios / governo que se estabelece a nossa conversa.  O governo costuma estar atento à opinião pública e à ação dos meios sobre ela.  Os meios informativos (jornais, televisão, radio, internet) são, portanto, uma espécie de “eixo” dos debates na sociedade democrática.

Violações de direitos

No Brasil, as mais flagrantes violações de direitos, muitas vezes, são perpetradas pelo próprio Estado, é triste reconhecer.  Teremos bastante assunto sobre esse ponto para discutir neste Observatório.  Um exemplo freqüente é a ação violenta de forças policiais ou militares contra cidadãos inocentes, algumas vezes levando-os à morte.  Trata-se de violação dos direitos civis (direito de ir e vir, à integridade física, etc).   É papel do jornalismo não apenas ouvir as partes envolvidas, registrar esses fatos,  mas indagar as autoridades sobre as providências, acompanhar os desdobramentos.

Nos meses de abril e maio houve dois graves incidentes de violência policial em São Paulo, levando à morte de dois motociclistas.  Os meios noticiosos deram ampla cobertura aos casos, como se sabe.  No segundo caso, ocorrido em maio, o governo tomou medidas rapidamente, fazendo alterações no comando da polícia, além da detenção de policiais envolvidos.

Não se pode afirmar que as autoridades tomaram providências por causa da repercussão jornalística dos casos.  Mas outros casos de violência estatal, ocorridos anteriormente,  que pudemos estudar (inclusive com mortes) não mereceram atenção da mídia, que se limitou a pequenas notas, sem continuidade de cobertura jornalística.  Nessas situações, as autoridades não vieram à público e não se sabe das conseqüências.  Apesar de não podermos estabelecer os efeitos da mídia em cada caso, o aparelho de Estado no Brasil revela um certo corporativismo e uma tendência à acomodação.  Os meios jornalísticos, pelo contrário, na condição de vozes da sociedade civil, agendam os assuntos, investigam, divulgam os fatos, indagam os responsáveis sobre as providências.   Ou seja, a independência dos meios é o que faz com que eles tenham mais iniciativa e desenvoltura em relação aos acontecimentos envolvendo o Estado.

Além da violência, há outras situações nas áreas econômica, habitacional, de saúde, de educação que envolvem o desrespeito de direitos de setores da sociedade.  Espera-se que os jornais acompanhem esses fatos, ao lado dos cidadãos.

O Observatório vai discutir as coberturas jornalísticas, analisando a forma como foram feitas, seu equilíbrio, a adequação da linguagem, as omissões.  A atividade jornalística é importante, mas nem sempre dá a repercussão adequada aos acontecimentos.  Não se trata de uma posição contra os meios jornalísticos, mas de defender uma crítica fundamentada, a partir da visão de cidadãos, com o intuito de aprimorar o seu trabalho, balizando o terreno, sinalizando os problemas e, claro, elogiando as boas coberturas.


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