A mídia faz seu próprio julgamento


Aline Camargo


A mídia tem, cada vez mais, um papel considerado por muitos como o quarto poder, por ser acessível a um grande número de pessoas, formar opiniões e até mesmo manipular. Ela pode ditar modas, tendências e nos dizer qual a melhor roupa para o nosso corpo, com quem nosso ídolo está saindo ou quem é o melhor candidato à Presidência da República. Mas o que acontece quando as consequências da influência da mídia alcançam proporções ainda maiores, determinando, até mesmo, o culpado por um crime?

“Frios e dissimulados”, assim foram classificados Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá pela revista Veja em sua edição de 23 de abril de 2008, antes mesmo das provas oferecidas pela perícia terem sido consideradas concretas ou havido algum julgamento que condenasse o casal.

A revista Veja optou, não só nessa edição, mas em outras duas, por mostrar o casal como culpado pelo crime. Na edição 2057 (23 de abril de 2008), as palavras da Veja parecem ser justificadas pela perícia. A revista o acusa com uma certeza que parece absoluta. “Pai e madrasta mataram Isabella”; “a brutalidade a que Isabella foi submetida”; “o casal deu início a seu espetáculo de frieza e dissimulação”; “Nardoni, então, gritou com ela e lhe deu um safanão”.

Além disso, a matéria faz uma espécie de caricatura do casal e de sua relação. “Anna Carolina é freqüentemente descrita como esquentada”; “era ela quem começava a bater no marido”; “o pai, Alexandre Jatobá, responde a nove processos na Justiça” e “fracassou nas três tentativas de passar no exame da OAB”, é “um homem muito nervoso”. O sofrimento da mãe da menina, Ana Carolina Oliveira, e sua situação de vítima, são destacados: “além de trabalhar em empresas da área, ela vendia roupas e bijuterias para reforçar o orçamento”; “Ana Carolina apanhava coisa por coisa: até uma presilha da menina que estava caída na garagem”.

A edição 2088, de 26 de novembro de 2008, foca os 200 dias do casal na prisão, como uma representação de “justiça”, com apelo emocional. “Olha a Isa lá, vovó”, teria dito o irmão mais velho da menina, ao apontar para o céu e dizer que a irmã virou uma estrela.

Além disso, algumas informações são claramente dispensáveis e parecem ser usadas para polarizar culpados e vítimas, como a informação que se refere à situação econômica instável do pai de Anna Carolina Jatobá: “No último dia 12, depois de conversar com VEJA, pediu à repórter 5 reais para completar o pagamento da diária de 39 reais. Diante da negativa, pendurou a dívida e pediu carona à reportagem”.

Apesar das especulações e do posicionamento da revista em relação aos, até então, supostos culpados, apenas dois anos depois da morte da menina o casal foi condenado. Finalmente, “a justiça foi feita”, segundo a edição 2158, de 31 de março de 2010. A matéria repercute o mesmo posicionamento. O caso é apontado como “divisor de águas na Justiça brasileira”. A revista comentou outras situações em que a decisão coube a um júri popular, não se questionando, no entanto, que papel ela e outros veículos de comunicação têm ao interferir e formar um pré-julgamento que pode influenciar o público.


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