Taís Capelini
Uma das revistas semanais mais lidas no país, a revista Veja publicou na edição 2157, no dia 24 de março de 2010, uma matéria sobre o assassinato do cartunista da Folha de S.Paulo, Glauco e de seu filho Raoni. O fato ocorrido foi associado na reportagem ao uso da ayahuasca – chá utilizado por tribos indígenas e caboclos da Amazônia e que faz parte de rituais de grupos originários da região, como o Santo Daime. A capa da revista traz sob o título “O psicótico e o Daime”, a foto de Cadu – Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, quem disparou e provocou a morte do cartunista e de seu filho com tiros de pistola.
Na reportagem, a revista toma uma posição clara: classifica a ayahuasca como “droga alucinógena” e atribui a esta o significado do crime. A revista delega que esta o chá consagrado como “bebida sagrada” possui substâncias poderosas e por isso deve ser censurado pelo governo. Segundo a matéria publicada, “a tolerância em excesso, combinada com negligência na mesma medida e uma boa dose de vulnerabilidade, física ou emocional das partes envolvidas” gera “uma boa receita para construir uma tragédia”.
A matéria não considera que Cadu era usuário de drogas pesadas há anos. Limita-se em evidenciar que ele apresentava sinais de distúrbios psíquicos provavelmente herdados da mãe esquizofrênica. Ademais, em nenhum momento dá voz aos representantes do Santo Daime para que estes se manifestassem a respeito do uso do chá em rituais, os quais não têm ligação alguma com atos de violência.
Draulio de Araujo e Sidarta Ribeiro, co-autores de pesquisa do Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) questionados sobre efeitos do chá do Santo Daime no cérebro e na mente afirmam – em entrevista para Marcelo Leite, colunista da Folha Online- que não se deve vincular o crime cometido com o uso da beberagem.
Sidarta afirma que “o ‘problema das drogas’ não é proibir, e sim regular. O assassinato do Glauco não pode ser debitado na conta da ayahuasca, pois usava ‘n’ coisas diferentes, e parece ter psicotizado ao longo do tempo”. Draulio enfatiza que seu “temor é que a falta de informação e o juízo preconcebido acabem por pautar as discussões”. Certamente foi que aconteceu com a revista Veja. A mesma que, em outubro de 2005, fez campanha contra o desarmamento quando houve o referendo popular. Talvez, se a aquisição ou a posse de armas fosse limitada, o crime não tivesse ocorrido.