Mariane Bovoloni Dias
Matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 22 de dezembro de 2009 comenta o fato de a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, ter aparecido em público sem sua peruca no lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos (PDH), no dia anterior, em Brasília. Essa teria sido a primeira vez em que a ministra, submetida a um tratamento para curar o câncer no sistema linfático, veio a público com os cabelos curtos. Segundo o texto, Dilma achava que usar a peruca era uma “tortura chinesa”.
Sobre o evento, a matéria ressaltou que Dilma chorou ao entregar um prêmio à amiga Inês Romeu, companheira de resistência à ditadura militar. “Acho que foi uma homenagem à Inês, porque eu estou pedindo para a Dilma tirar a peruca já faz um mês e ela não quis tirar”, disse Lula, segundo a matéria. “E hoje ela apareceu aqui na frente da Inês sem peruca, mostrando seu novo visual”.
Há, na mesma página, outro texto (“Decisão de abandonar peruca é ‘momento-chave’, diz médica”) que reforça o mesmo ponto. Ademais, as fotos utilizadas formam uma sequência evolutiva da aparência de Dilma em 26 de fevereiro, 9 de dezembro e no dia do evento.
A ampla cobertura sobre a peruca de Dilma tomou o lugar do fato realmente relevante. Isso ocorreu porque, apesar do ponto de partida para a reportagem ser o PDH, a matéria assumiu outra direção. Embora de caráter informativo, o texto é iniciado com uma opinião, que supostamente serviria de justificativa para o enfoque. “Em evento de lançamento do programa de direitos humanos do governo, quem acabou se transformando no alvo das atenções foi a ministra Dilma Roussef, pré-candidata do PT à sucessão do presidente Lula”, segundo o primeiro parágrafo.
A terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, aprovada em 21 de dezembro de 2009, instituiu um roteiro a ser seguido para o fortalecimento da democracia, como a transparência nas esferas políticas, laicismo do Estado, desenvolvimento sustentável e erradicação da fome e extrema pobreza. Estruturado em seis eixos orientadores, o plano sintetiza objetivos traçados na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (realizada em Brasília de 15 a 18 de dezembro de 2008), além de outras conferências nacionais ocorridas desde 2003 sobre temas como direitos da mulher, igualdade racial, meio ambiente e educação.
Embora a matéria tenha sido publicada um dia após o lançamento do PDH em Brasília, nada referente ao programa em si foi informado. Dados essenciais, como a importância de seu lançamento e quais são suas metas, foram ignoradas, dificultando o entendimento acerca da importância do assunto e dos direitos decorrentes.
No mesmo dia, a cobertura do jornal Estado de São Paulo adquiriu feição semelhante. A cerimônia de lançamento foi apenas citada em um parágrafo, ocupando o maior espaço a peruca de Dilma. Além disso, podemos ver um toque de campanha presidencial nas falas selecionadas de Lula. “Se alguém prendeu a Dilma, se alguém torturou a Dilma, achando que tinha acabado a luta da Dilma, ela é uma possível candidata à Presidência da República deste país. É assim que as coisas acontecem”.