Críticas abertas e pessoais prejudicam cobertura


Bruno Sampaio Garrido


No dia 16 de abril de 2010, o Jornal da Cidade de Bauru (JC) deu destaque significativo a um protesto feito por moradores da Vila Falcão com o objetivo de cobrar da prefeitura a reforma do viaduto Mauá, principal elo entre o bairro e a região central da cidade. Desde 2008, uma das pistas do viaduto está interditada por medida de segurança – por haver risco de desabamento –, fato que torna o trânsito no local lento e complicado.

A matéria, com mais de 5 mil caracteres, centrou-se no protesto e nas críticas à gestão do prefeito Rodrigo Agostinho, segundo as quais o chefe do Executivo não tem dado a atenção necessária à questão.

Logo no início, pode-se verificar que a reportagem do JC enfatiza a relevância do protesto com este lide: “Ao som de apitos e de faixas que diziam ‘reforma ou demolição, queremos uma solução’, mais de duas centenas de pessoas se reuniram ontem, em cima do viaduto Mauá”. A ênfase sobre detalhes do evento (o som dos apitos e das palavras de ordem), com frases em ordem inversa, transmite ao leitor a sensação de que o protesto foi relevante, ainda que com poucos manifestantes[1].

Mas o principal destaque do texto do JC é o seu tom marcadamente crítico à Prefeitura Municipal de Bauru. As manifestações de contrariedade se dão por meio de figuras depreciativas. Ainda no primeiro parágrafo, a repórter qualifica a ação como um protesto “contra a morosidade do poder público em resolver a interdição”. A jornalista transmite ao leitor uma imagem de descrédito à capacidade e competência da administração municipal.

As críticas abertas à prefeitura atingem seu ápice no segundo bloco da reportagem, intitulado História da interdição tem dúvidas, ausência de prevenção e lentidão, em que prevalecem comentários negativos de toda ordem, com o objetivo de desqualificar a administração municipal, alegando que esta não é digna de confiança e que a solução para o viaduto paralisado tardará a ocorrer. Os comentários mesclam fatos com simples juízos de valor, adquirindo um tom marcadamente pessoal de desabafo – como pode ser visto nos trechos a seguir:

“… o viaduto Mauá é o mais novo símbolo bauruense da lentidão e da incapacidade operacional da Prefeitura de Bauru em resolver problemas”;

“A paralisação do Mauá tem ingredientes de todo gênero: falta de planejamento e ação preventiva da administração municipal…”

“Na melhor das hipóteses, somente no final deste ano é que a Prefeitura de Bauru poderá ter ciência se a melhor opção será demoli-lo ou recuperá-lo”.

Nos trechos em destaque, verifica-se um uso excessivo de expressões de valor adjetivo (“o mais novo símbolo bauruense da lentidão”) e, no caso da terceira citação, a expressão na melhor das hipótesessomente e se (de valor condicional) e o verbo poder utilizado no futuro transmitem claramente uma ideia de indecisão e morosidade por parte da prefeitura ao lidar com o caso – já que uma decisão só sairia no final do ano.

A despeito das razões que fundamentam tamanhas críticas à gestão de Rodrigo Agostinho e à demora de uma solução convincente quanto à reforma do viaduto, não se pode ignorar que, na reportagem em análise, os comentários depreciativos e, principalmente, o “desabafo” da repórter frente ao caso chamaram mais a atenção do que o próprio fato, mesmo com os dados complementares utilizados na contextualização da matéria, tais como as circunstâncias que levaram à interdição de parte do viaduto.

Quando isso ocorre, é sinal de que o equilíbrio, atributo necessário a uma cobertura verossímil de qualquer acontecimento, está sendo ignorado, dando lugar a juízos de valor e apreciações eminentemente subjetivas, parciais. Com isso, obscurece-se o fato em prol da visibilidade da expressão pessoal do jornalista.

Esta análise não pretende condenar as manifestações de opinião dentro dos textos noticiosos em benefício de textos assépticos (e irreais), já que a subjetividade, inerente a qualquer ação humana, se revelará ainda que de maneiras sutis. Contudo, não se pode comprometer um trabalho factual, que deveria ser alicerçado em elementos concretos e com uma finalidade social a se cumprir, em nome de convicções pessoais de qualquer natureza, sob risco de perverter o trabalho jornalístico e desinformar seu público.


[1] Manifestantes gravaram o protesto. Confira as cenas aqui.



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