A nova proposta para um programa de televisão


Henri Chevalier


Programas que tentam um formato híbrido entre jornalismo e entretenimento tornam-se cada vez mais presentes na televisão brasileira. Depois do grande sucesso de público alcançado pelo programa CQC – Custe o Que Custar, da Rede Bandeirantes, a mais nova tentativa de aplicação do formato é o programa Legendários, da Rede Record.

“Formato revolucionário”

Com estética claramente centrada no modelo CQC e quadros que remetem fortemente a uma infinidade de programas televisivos denominados humorísticos, “Legendários” não agradou ao público em suas duas primeiras exibições, inicialmente por apresentar um “milkshake” sem nenhuma novidade no plano da expressão, depois pela visão adotada em algumas matérias que podem ser motivos de discussão. A relação entre os quadros da atração e alguns de outras emissoras, como o Casseta & Planeta, Programa do Gugu e Caldeirão do Hulk ficou aparente, principalmente durante a exibição feita no último sábado, dia 17 de abril. Um super-herói brasileiro como o “Super Tição” em muito lembra o quadro escrachado do pessoal do Casseta & Planeta intitulado “Super-heróis Brasileiros”, que contava com o Carnavalesco Man, Atocha Humano, Ultra Corno, Incrível Miserável e Mulher Silicone, os quais continham certa crítica até mesmo em seus nomes. Não satisfeito, o quadro ainda incorporou as estratégias de Luciano Hulk e Gugu Liberato de utilizar uma pessoa do público com uma necessidade específica e urgente como uma tentativa de manter a atenção e a audiência popular enquanto a “atração” cumpre a tarefa imposta que lhe dará o direito de realizar seu sonho ou não. O escolhido da vez tinha que responder a três questões para conseguir o aparelho que lhe permitiria passar filmes para uma comunidade de São Paulo. Tudo isso com uma dilatação do tempo que se tornou insuportável. A demonstração de que tudo foi pensado propositalmente para ser cópia-crítica não agradou nem convenceu.

No entanto, a questão se agrava ainda mais se vista pelo plano do conteúdo, justamente o que o animador e diretor Marcos Mion apresentou como o grande diferencial de seu novo programa.

Um dos pontos para discussão

Primeiramente, os quadros que aparentemente pretendiam ter um cunho jornalístico não surtiram efeito. O jornalismo é um conjunto que abarca mais do que a visão simplista de uma ferramenta para transmissão de notícias. Compreende um campo científico com metodologia e teorias próprias, uma área de ensino de profissionais e as práticas da profissão relacionadas principalmente, mas não somente, às notícias e suas produções. Mantendo uma abordagem mais voltada ao entretenimento e diversão sobre o caso do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, o repórter João Gordo conseguiu, por meio da clássica utilização da ironia, arrancar algumas risadas, mas não conseguiu enveredar pelo senso comum sem fazer parte dele. Porém, o ápice da noite foi uma parte dedicada ao preconceito contra os homossexuais. Após a exploração de um estereótipo gay personificado no repórter do programa fictício “Purpurina Show”, foi colocado no ar o quadro no qual um ator se fazia passar como homossexual para a própria família e apresentava seu namorado, nos padrões estereotipados da homossexualidade. Em pleno programa de abrangência nacional e internacional (pois a Record é transmitida para mais de 150 países) o discurso de Mion sobre a tentativa de alterar a realidade da televisão aberta com relação ao conteúdo se tornou contraditória em relação às ações que foram televisionadas.

De início, a abordagem da família feita pelo ator já estabelecia uma relação pressuposta de normalidade-anormalidade, iniciando a peregrinação do quadro pelo grande vale do senso comum. A escolha da família, que envolvia uma criança pequena e um senhor que aparentava idade avançada e, posteriormente, problemas cardíacos também foi fator determinante para a reação geral, que se tornou um misto de sensações e impressões de que a situação era uma “brincadeira de mau gosto”.

Bem, a reação não foi das melhores. A revolta da família, produzida principalmente pelo espetáculo montado para noticiar a “opção” sexual, se manifestou. A mãe, trêmula, pegou um cigarro depois de anos sem fumar, enquanto o pai ameaçava matar o suposto namorado do filho. Em uma entrevista posterior, o pai falou que após criar um filho homem, se este quiser assumir a homossexualidade, tem que ser longe da família.

Onde estaria a grande ruptura com o senso comum? Naquele momento, algum jovem que pretendesse conversar com pais ou parentes sobre sua sexualidade se estancou frente à televisão assustado com a possibilidade de que aquela dramática situação pudesse ter lugar em sua casa exatamente naqueles moldes. Passou-se a ideia de que todas as famílias receberiam da mesma forma o integrante que se assumisse homossexual, e é nesse nível do discurso que se reproduzia uma visão corriqueira e caricata acerca do “espetáculo” da revelação da homossexualidade.

Predispondo-se a ser uma alternativa ao modelo da televisão brasileira, “Legendários” acabou se colocando como um produto que tende, como os outros, à homogeneização do público no nível discursivo, enquanto tenta abarcar a heterogeneidade dos gostos no nível da expressão. Mais grave ainda é o teor desse discurso embutido. Seria urgente pensar em uma melhora dele na atração ou, no mínimo, mas não somente, em uma maior humildade para reconhecer que o programa não foge dos padrões típicos da televisão brasileira. Pelo menos por enquanto.


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