A hiperinflação legislativa e a comunicação social


Carlo José Napolitano

Este despretensioso texto é apenas um ensaio sobre o tema hiperinflação e foi produzido em decorrência da participação do autor em um seminário na Assembleia Legislativa de São Paulo, evento realizado em maio de 2009 e objetiva somente estimular o debate sobre o assunto.

Alguns dados levantados para a participação no evento acima referido sugerem que o nosso país experimenta um excessivo processo de regulação jurídica.

Como exemplo, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) calculou que entre 1988 e 2008 o Estado Brasileiro editou, aproximadamente, três milhões e setecentos mil documentos legais. Esse número assustador indica uma média de 774 normas editadas a cada dia útil.

Estima-se que essa quantidade de normas pode assim ser dividida: Normas federais: 150.425 normas desde a promulgação da Constituição Federal, passando por 6 emendas constitucionais de revisão, 56 emendas constitucionais (até março de 2010 já foram editadas 64 emendas à constituição, sendo certo que os demais números aqui mencionados carecem de atualização), 2 leis  delegadas, 69 leis complementares, 4.055 leis ordinárias, 1.058 medidas provisórias originárias, 5.491 reedições de medidas provisórias, 9.612 decretos federais e 130.075 normas complementares (portarias, instruções normativas, ordens de serviço, atos declaratórios, pareceres normativos, etc.). Normas estaduais: 996.977 normas, sendo 227.973 leis complementares e ordinárias, 330.836 decretos e 438.168 normas complementares. Normas municípios: 2.628.962 normas, divididas em 450.675 leis complementares e ordinárias, 499.432 decretos, e 1.678.855 normas complementares.

Medidas econômicas

Somando-se a esses impressionantes e assustadores dados é razoável também mencionar que, somente na década de oitenta, o Brasil passou por 8 planos econômicos, 4 moedas distintas, 11 diferentes índices de cálculo da inflação, 5 congelamentos de preços, 14 políticas salariais, 18 alterações das regras de câmbio, 54 modificações das regras de controle de preços, e 19 decretos do Executivo relativos a austeridade fiscal. Todas essas medidas econômicas foram efetivadas mediante edição de lei (cf. José Eduardo Faria, A Inflação Legislativa e a Crise do Estado no Brasil, Direito, Estado e Sociedade, Revista do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC-Rio, 5: 49-60, 1994).

O presente ensaio parte do pressuposto que a globalização econômica, a regulação jurídica supra estatal, a juridificação das relações sociais, a complexidade da vida moderna, a rapidez no fluxo das informações e a transformação de políticas públicas em regras jurídicas impactaram os paradigmas do direito liberal moderno, outrora baseado nos preceito da publicidade, universalidade, completude, coerência, estabilidade e regulador de situações estruturais, transformando-o em variável, provisório, conjuntural e especializado.

Transformações

Essas mudanças nos paradigmas impactam também na produção do direito, acarretando a edição de normas ad hoc, particulares e pontuais, perdendo o direito a sua característica de estabilizador das expectativas de comportamentos.

O excesso na regulação jurídica indica ainda para um aumento dos conflitos jurídicos, gerando uma explosão de litigiosidade. Somente a título ilustrativo, segundo dados do Supremo Tribunal Federal, tendo-se por base o mesmo período apontado na pesquisa do IBPT, foram ajuizadas, somente no STF, 4.217 ações diretas de inconstitucionalidade (adin), com uma média de 211 adins/ano. As ações diretas de inconstitucionalidade são procedimentos judiciais que visam à análise da compatibilidade das leis com as regras constitucionais. Esse alto número de adins sugere que as leis brasileiras são pessimamente formuladas, desrespeitando-se o determinado pelo texto constitucional. Em outro exemplo da explosão de conflitos, verifica-se que este órgão da justiça brasileira recebeu, em 1988, 21.328 ações, em 2008 esse número chegou a 100.781, ou seja, quase cinco vezes mais ações em menos de dez anos.

O presente ensaio também considera que a falta de debates para a elaboração legislativa e a concentração dos poderes institucionais do executivo auxiliam na baixa qualidade das leis. Para se ter uma ideia da prevalência do executivo na regulação jurídica, de 1989 a 1998, em média, foram aprovadas mensalmente 13,7 leis originárias do executivo federal, o que corresponde a 85% do total de leis aprovadas no Congresso Nacional, sendo apenas 2,6 originárias do próprio legislativo. (cf. Argelina Cheibub Figueiredo, Fernando Limongi e Ana Luzia Valente. Governabilidade e concentração de poder institucional – o Governo FHC. Tempo Social – Revista de Sociologia da USP. São Paulo: USP, FFLCH, vol. 11, nº 2, fev., 2000. revista de Sociologia da USP).

Falta de regulação

Também a título ilustrativo, uma rápida pesquisa na base de dados da legislação federal efetuada no sítio www.presidencia.gov.br com os termos televisão, rádio, jornal, internet, jornalismo e comunicação social indicou: mais de mil ocorrências, em todos os atos normativos, para a primeira expressão, sendo 45 ocorrências somente de lei ordinária; mais de mil ocorrências para o termo rádio, sendo 64 leis ordinárias; 228 atos normativos para o argumento jornal; 115 para internet; 44 para jornalismo e 220 para comunicação social. Esses números revelam uma quantidade assustadora de leis que tratam basicamente de um mesmo assunto.

Uma das consequências do excesso legislativo é a falta de regulação jurídica em algumas áreas, o que, a princípio, parece ser uma contradição. O exemplo mais recente desse fenômeno é o da própria comunicação social.

No ano passado, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal declarou não serem compatíveis com o atual ordenamento constitucional dois atos normativos que disciplinavam a área (o que dispunha sobre a regulação do exercício da profissão de jornalista e o que regulava a imprensa de forma geral), gerando com isso uma enorme lacuna jurídica.

Além dessas duas leis afastadas integralmente do ordenamento jurídico brasileiro através de decisão do STF, verifica-se também que o Código Brasileiro de Telecomunicação encontra-se parcialmente revogado por leis supervenientes, gerando-se também lacunas na regulação jurídica.

Diante disso, conclui-se, neste ensaio, que a hiperinflação legislativa, levada a cabo de forma desordenada e fora da sistemática constitucional, gera insegurança jurídica, rompendo um dos pilares de sustentação do sistema jurídico brasileiro previsto no artigo 5º da Constituição Federal.


Uma resposta para “A hiperinflação legislativa e a comunicação social”

  1. Carlo:
    – Excelente ensaio, que levanta questões de toda ordem, além das propriamente jurídicas. No que diz respeito à cidadania, por exemplo, a insegurança jurídica me parece central, pois o cidadão não tem conhecimento sobre seus direitos, devido à pletora legislativa.

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