Plínio Volponi
O Rio de Janeiro vivenciou um caos enorme no mês de abril. Dessa vez o causador do problema não está ligado à criminalidade ou à violência, mas sim aos desastres naturais. Ruas foram alagadas e prédios soterrados. A população ficou rendida por causa de chuvas intensas.
Na noite do dia anterior, as mídias televisivas já noticiavam os congestionamentos e a dificuldade de pessoas voltarem para suas casas. Até carros sendo carregados pela chuva e um posto de gasolina que serviu como abrigo para os cidadãos foram noticiados. A chuva continuou por toda a madrugada e ainda pela manhã as vias públicas estavam completamente inutilizáveis naquela quarta-feira inesquecível para os cariocas. O prefeito da cidade pediu para que a população não saísse de casa. As escolas e os fóruns não funcionaram. Era raro o trânsito de veículos nas vias públicas. A cidade turística parou.
Logo pela manhã, a mídia televisiva mostrou o desastre via helicóptero, com cenas de deslizamento de terra que encobriam as casas. As imagens mostraram cenas de um imenso deslizamento de terra que derrubou muitas árvores que estavam no alto de um morro e, também, de casas que foram arrastadas e soterradas. A notícia era de que havia ainda escolas e restaurantes naquele local atingido. Tudo que estava sob o morro ou próximo dele foi destruído. De todos os deslizamentos, o mais enfatizado foi o do Morro do Bumba em Niterói – região metropolitana do Rio de Janeiro.
O trabalho dos bombeiros na tentativa de resgate das vítimas também foi notícia. Muitos moradores locais se sensibilizaram. Alguns fizeram vigia em frente às áreas atingidas, enquanto outros auxiliaram nas buscas de pessoas ou na remoção de bens pessoais que ainda restavam no local. Definitivamente, uma triste situação de calamidade pública.
A própria mídia carioca sofreu com o desastre. O exemplo mais claro e abrangente foi com relação à TV Globo. O Programa de Ana Maria Braga dividiu, por um longo período, a grade de programação com o Jornal Bom Dia Brasil que estendeu a cobertura jornalística. A TV Globo teve que improvisar. Isso porque parte de seus funcionários não conseguiram chegar à emissora pela manhã. A apresentadora do Mais Você relatou isso “no ar” ao dizer que os “cabo-men” assumiram as câmeras e de que o diretor do programa não estava presente. Conseqüentemente, o “padrão Globo de qualidade” não foi mantido. As cenas exibidas estavam tremidas e os cortes de câmera eram feitos de modo aleatório, já que o diretor substituto não conseguia prever os movimentos de Ana Maria.
A situação dos cidadãos
Não é novidade que muitos cariocas constroem suas casas em lugares irregulares, principalmente nos morros. Basta ir até um morro para perceber que muitas daquelas casas não devem ter a aprovação da Prefeitura Municipal para habitar aquele local. Inclusive até a Defesa Civil poderia interditar muitas daquelas casas que, além de serem construídas em territórios impróprios, apresentam um baixo grau de salubridade e falta de infra-estrutura básica.
É difícil procurar um motivo sobre o porquê essas pessoas preferem se instalar por ali, mas provavelmente é por falta de uma opção melhor ou por falta de educação. Há vários projetos de remanejamento da população que vive sob essas condições, mas eles não ocorrem com a eficiência requerida. Além disso, uma das principais reclamações dos moradores irregulares é de que as casas oferecidas ficam em um local distante, o que torna inviável o deslocamento dessas pessoas. Assim, elas preferem continuar onde estão, ou pior, fazer com que suas casas tenham novos “andares” para que outras famílias possam habitar.
Esses problemas de moradia e da falta de infra-estrutura não são recentes no Rio de Janeiro. Eles já existem há anos. Contudo, naquela quarta-feira de abril foi o tema central da mídia. Até mesmo o Governador do Estado e o Presidente da Republica deram declarações sobre o caos instalado na Região Metropolitana Fluminense. Esses temas foram destaque não apenas no jornalismo, mas também em programas de variedades que informavam a população sobre como agir nessas condições ou como limpar a sujeira gerada pelas chuvas. Temas que talvez jamais estivessem presentes nesse tipo de programa se não houvesse um desastre dessa natureza.
O papel da mídia
Nem tudo o que acontece no dia-a-dia da população é notícia. Segundo o padrão jornalístico adotado no Brasil, um fato tem mais chances de virar notícias se ele tiver seu “valor-notícia” – ou seja, possuir uma novidade, ser exótico ou impactante, despertar atenção ou curiosidade, realçar deficiências, mostrar conflitos ou contradições existente, etc.
Desastre natural, como o vivenciado pelo Rio de Janeiro, é sempre destacado pela mídia. Não apenas em casos nacionais de alagamentos ou tempestades, mas também em coberturas internacionais, como terremotos ( recentemente ocorrido na China) ou ainda as erupções vulcânicas (como as ocorridas na Islândia que impediram o pouso e a decolagem de aviões na Europa por uma semana). A cobertura geralmente fica em torno do sofrimento da população e da situação que eles se encontram após o desastre. Números de mortos e atingidos pelo problema parecem ser os dados mais importantes.
A mídia internacional focalizou o desastre no Rio como uma possibilidade de afetar os futuros eventos esportivos na cidade – Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. Além do foco no desastre, a mídia brasileira fez uma cobrança das autoridades por uma infra-estrutura de trânsito para que se evitasse o congestionamento quando situações como essa acontecessem. As respostas uníssonas podiam ser resumidas em: “vamos tratar das vítimas primeiro e depois pensaremos em uma solução”. Por várias vezes a cobertura midiática comparou a situação do Rio de Janeiro com a de São Paulo – que possui um longo histórico de alagamento.
O que a mídia nacional parece ter esquecido foi de exigir das autoridades uma solução para a situação daqueles moradores locais. Agora isso só será feita no próximo fato relacionado a isso que tenha seu valor-notícia. Afinal de contas, qual é a novidade para se noticiar que muitas casas deveriam ser interditadas pela defesa civil para a segurança e a preservação da população local? É um problema tão antigo que é melhor deixar como está e não persistir na vigilância midiática. A expectativa é de que, mesmo sem a continuidade da pressão feita pelos meios de comunicação, as autoridades se mobilizem para que a situação caótica como essa vivida pelo Rio de Janeiro seja menor da próxima vez.