Reportagem analisa jornalismo sobre crimes sexuais 


‖ ‖ ‖  Bruna Giorgi ‖ ‖ ‖ 

 

Eles existem aos montes, mas se comportam como invisíveis aos olhos da sociedade. Os crimes e a violência sexual infanto-juvenil são tipificados criminalmente no Código Penal Brasileiro, além de o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proteger o direito das crianças e adolescentes. Mas a impunidade é frequente. O abuso sexual é considerado invisível justamente porque os agressores, na maioria, são membros da própria família ou pessoas influentes e poderosas socialmente. O contexto remete ao poder do sexo masculino e as justificativas de defesa são de cunho machista.

As ideias preconceituosas e de poder, muitas vezes, se arrastam para a mídia. Mas o jornalismo tem o princípio de ser isento de julgamentos e vinculado à veracidade. “O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”, conforme o artigo 7 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Os meios de comunicação devem abordar amplamente o assunto e de maneira responsável. O portal Ponte fez uma análise sobre a questão criminal de abuso sexual de meninos e meninas no Brasil, citando pesquisa, casos, legislação e refletindo sobre o papel da sociedade e do jornalismo no combate a esse crime. Ressaltaremos aqui alguns aspectos da reportagem “Crianças e adolescentes despedaçados pela violência sexual”, de Maria Carolina Trevisan, publicado no portal, que tem o apoio institucional da Agência Pública.

Ao examinar a linguagem para ironizar o que costumeiramente se fala nos órgãos judiciais, policiais e meios de comunicação, Maria Carolina nega a existência da “prostituição infantil” e “programas sexuais” de menores. A ironia é utilizada para destacar a forma como legalmente é nomeada a desumanização, nos termos de “exploração” ou “abuso sexual”, empregados por uma sociedade enraizada em conceitos machistas e sexistas. Tanto que poucos se incomodariam ao ler a seguinte frase: o acusado “não passou, apenas, de mais um dos inúmeros clientes que as vítimas possuíam na região”. Essa menção se refere à absolvição de um fazendeiro/vereador, da cidade de Catanduva, no interior de São Paulo, acusado de violentar duas meninas, de 13 e 14 anos. Esse fato é um dos 47 casos de violência infantil estudados pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes e pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, na pesquisa denominada “Pesquisar e Responsabilizar”, de 2012.

A jornalista também utiliza três recursos gráficos: ilustração, gráfico e diagrama. A ilustração de Luli dialoga com a violência silenciosa e silenciada a que adolescentes e crianças são submetidos. Uma menina deitada é semicoberta pela sombra de um “poderoso”, identificado pelo tipo de sapato usado. Crianças com mutilações e sujeitas à violência física têm suas vidas despedaçadas, sem proteção de órgãos humanizados competentes.

Segundo a reportagem, 26% das ligações mais comuns ao Disque 100, canal de denúncias da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, são relacionadas à violência sexual. Muitos menores não denunciam, em parte porque é um crime de difícil diagnóstico, já que muitas vezes é realizado dentro de casa. Um gráfico representa de forma didática o fluxo do processo de denúncia, que vai das formas possíveis de denúncia até a autoridade judiciária que concede proteção.

De acordo com o estudo “Pesquisar e Responsabilizar”, 10 dos 47 casos analisados – e que envolviam menores de idade – foram julgados e sentenciados com a vítima sendo criança ou adolescente e encaminhada para acompanhamento psicossocial.

O Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes determina como dever do Estado proporcionar atendimento especializado às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. “Apesar dos avanços, constata-se que há um descompasso entre a lei e a prática relacionada ao acompanhamento dos processos por parte do Poder Judiciário”, avalia a socióloga Graça Gadelha, na reportagem.

Para “oferecer aos profissionais de imprensa orientações de fácil manuseio, com vistas a uma cobertura mais qualificada sobre temas da agenda social brasileira – em especial, os relacionados aos direitos de crianças e adolescentes”, a Andi Comunicação e Direitos publicou Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes: guia de referência para a cobertura jornalística, da série Jornalista Amigo da Criança. Com ele, é possível entender o contexto político e social do crime de crimes de exploração sexual de crianças e adolescentes. Informações sobre a legislação e programas, desvendamento de mitos e verdades, e disponibilização de fontes de pesquisa (órgãos, sites) estão presentes. Há dicas de como desenvolver uma matéria, desde a apuração, com dicas de segurança pessoal e recolhimento de provas, até questões éticas e orientações sobre como contextualizar uma reportagem.