O monopólio na transmissão dos jogos de futebol


‖ ‖ ‖ Bárbara Bressan Belan ‖ ‖ ‖


Analisamos o processo administrativo em trâmite no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A, pela Rede Globo. A venda dos direitos de transmissão à emissora carioca é feita, através de contrato, pela Associação Brasileira de Futebol – Clube dos Treze e apresenta cláusulas que podem ser consideradas embaraços à livre concorrência.

A Secretaria do Direito Econômico – SDE[1] ajuizou uma representação junto ao CADE[2] em 5 de fevereiro de 2008. A representação envolvia as seguintes partes: Associação Brasileira dos Clubes de Futebol – Clube dos Onze; a Associação Brasileira de Futebol – Clube dos Treze; Confederação Brasileira de Futebol – CBF; Globosat; Rede Bandeirantes de Televisão; Rede Globo de Televisão e TVA.

Por meio dessa representação, a SDE argumentou que a venda e a transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A apresentava conduta anticoncorrencional e deveria ser modificada pelos seguintes fatos: em 1997 a Rede Globo e a Rede Bandeirantes firmaram contrato com o Clube dos Treze, com o aval da CBF, para transmitir, com exclusividade, os jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A, nos anos 97, 98 e 99. E, no mesmo ano, o clube dos 11 firmou o mesmo contrato com a TVA.

Porém, a SDE aponta que tanto a formação do Grupo dos Treze como a formação do Clube dos Onze apresenta irregularidades, entre elas o fato de que a formação de qualquer bloco entre pessoas jurídicas de direito privado adotando conduta comercial, visado tirar proveito econômico, caracteriza-se como cartel. O Clube dos Treze e dos Onze constituem blocos de propósitos nitidamente comercial, ou seja, vender os direitos de transmissão de seus jogos, em conjunto, com vistas auferir melhor preço. Portanto, essa conduta incorre em infração às normas do direito de concorrência. Assim, segundo os argumentos da SDE os direitos dos clubes deveriam ser exercidos singularmente.

Ainda, segundo os argumentos da SDE, as redes de televisão também estão agindo de forma irregular, pois a Rede Globo teve que se associar à Globosat e à Rede Bandeirantes para cobrir a proposta de uma só empresa: no caso, o SBT. Além disso, a SDE alega que “a exclusividade imposta nas transmissões constitui forte elemento caracterizador do abuso do poder econômico, acarretando danos à concorrência, uma vez que outras emissoras não podem negociar as transmissões diretamente com os clubes, bem como o mercado de telespectadores, que ficam restritos aos jogos impostos pelo pool das emissoras, que estranhamente transmitem os mesmo jogos, não levando em consideração as peculiaridades regionais” (Brasil, 2010).

Pelo fim da exclusividade

A SDE ainda apresenta diversas vantagens que justificam o fim da exclusividade, entre elas a maior oferta que beneficiaria diretamente os consumidores, proporcionaria maior envolvimento de jornalistas, repórteres, narradores e operadores de câmera e acarretaria melhor qualidade de transmissão, uma vez que, com a exclusividade, não há concorrência entre as emissoras por qualidade.

A exclusividade ainda traz problemas quando o jogo acontece em horário já ocupado pela grade da emissora. Em muitos casos, o jogo não é transmitido. Mas a aquisição dos direitos com exclusividade e a sua não exibição constitui ilícito previsto na Lei de Defesa da Ordem Econômica, ao criar dificuldade no funcionamento ou no desenvolvimento de empresa concorrente.

Outra irregularidade apontada pela SDE é sobre a cláusula de preferência existente nos contratos firmados entre a Rede Globo e o Clube dos Treze para que a emissora carioca sempre tenha a primazia na hora de adquirir o pacote do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A. O primeiro contrato de cessão dos direitos de transmissão firmado entre o Clube dos Treze e as Redes de Televisão Globo e Bandeirantes foi assinado no dia 7 de abril de 1997, tendo como abrangência as temporadas de 1997, 1998 e 1999. Neste contrato, foi convencionado que Globo e Bandeirantes teriam direito de preferência na compra dos direitos de transmissão das temporadas futuras. Essa cláusula esteve presente em todos os contratos futuros, porém nos seguintes a Bandeirantes foi excluída da preferência, deixando esse direito somente à Rede Globo, conforme é descrito no contrato em vigor para os anos de 2006, 2007 e 2008: “Os cedentes e o Clube dos Treze concedem à Globo neste ato, em caráter irrevogável e irretratável, a opção (i) de adquirir, em igualdade de condições com a proposta de qualquer terceiro, a qualquer momento após assinatura deste contrato, todo e qualquer direito da competição que diz respeito à captação, fixação e transmissão dos sons e imagens dos jogos através de outras mídias e/ou formas de televisão existentes ou a serem futuramente criadas que não estejam previstas neste documento, com exceção das transmissões de televisão por assinatura e via o sistema pay-per-view” (Brasil, 2010).

Portanto, segundo a SDE, o caso envolve o comportamento cartelizado dos clubes, das emissoras de TV, além da questão da preferência e da exclusividade.

Após analisar as proposições da SDE, o Cade instaurou processo administrativo para averiguação dos fatos alegados. Depois de vários trâmites processuais, o relator proferiu voto manifestando-se sobre a possível conduta anticoncorrencial na venda e transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro da Série A.

Aspectos do processo

O relator sustenta que a cláusula de exclusividade pode ser benéfica, pois geraria eficiência econômica. Conclui-se que é lícita a utilização de cláusula de exclusividade nos contratos examinados e, portanto, não há necessidade de modificar esse aspecto dos contratos.

O relator também aponta para o fato de os esportes serem de grande interesse publicitário por atraírem uma audiência homogênea, sendo o seu público majoritariamente jovem e masculino, e destaca que o Campeonato Brasileiro é a competição que agrupa os melhores e mais tradicionais times do país, justamente os que contam com as maiores torcidas, além de ter uma duração maior que qualquer outro campeonato, nacional ou internacional.

Graças à tamanha importância do Campeonato Brasileiro da Série A, a exclusão de outras emissoras dos direitos de transmissão gera um impacto negativo na grade televisiva das concorrentes. Isto indicaria que a conduta de exclusividade apresenta um potencial anticompetitivo na concorrência.

Ainda segundo o relator, como nesse mercado as restrições à exclusividade são vistas com ressalvas, o sublicenciamento seria uma alternativa para aumentar a oferta de jogos e agradar o consumidor. Nesse caso, para que a conduta seja pró-concorrência, o sublicenciamento deve estar amparado por regras que confiram maior flexibilidade à emissora sublicenciada, de tal modo que tenha condições de escolher qual, dentre os jogos destinados à transmissão pela TV aberta, transmitirá.

Quanto à avaliação do Clube dos Treze como cartel, o relator aponta para o fato de que a produção do evento “futebol” passa necessariamente pela co-produção de dois times. Além disso, o Clube dos Treze apresenta potencial de agregar valor à competição como um todo, o que caracteriza o acordo entre os clubes como pró-concorrencial.

Antes da decisão do plenário do Cade, a Rede Globo e o Clube dos Treze firmaram um Termo de Compromisso de Cessação de Prática. Com assinatura do TCC, o Cade deliberou pelo arquivamento do processo, enquanto os termos de compromisso estiverem sendo cumpridos.

O Termo de Compromisso assinado pelas partes teve por objetivo preservar e proteger as condições concorrenciais para comercialização dos direitos de captação, fixação, exibição e transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A nas seguintes modalidades: televisão aberta, televisão fechada, pay-per-view, internet e telefonia móvel.

Selado o compromisso, o Clube dos Treze assume as seguintes obrigações: abster-se de utilizar a “Cláusula de preferência” nos novos contratos de comercialização de transmissão dos jogos nas cinco modalidades; realizar a venda dos direitos de transmissão dos jogos CBFA de modo separado para cada uma das cinco modalidades, podendo facultar aos interessados realizar propostas isoladas, combinadas ou conjuntas pelas modalidades; definir critérios claros e objetivos na realização das concorrências; permitir ao vencedor do certame, na mídia televisão aberta, sublicenciar os direitos adquiridos a terceiros. Em havendo sublicenciamento, o sublicenciado poderá escolher livremente, dentre os jogos disponíveis para televisão aberta, aquele que transmitirá a cada rodada.

Além disso, estabelece-se a obrigação do Clube dos Treze apresentar ao Cade cópia autenticada dos contratos firmados, no prazo de 30 dias a contar da assinatura do mesmo, bem como relatório explicando como ocorreu o processo da venda e os motivos que levaram à escolha dos vencedores

O Compromisso estabelecido vigorará pelo prazo de cinco anos a contar da publicação do TCC no Diário Oficial da União e o processo administrativo ficará em suspenso durante o Compromisso. Caso ele seja cumprido, o processo será arquivado. Caso seja constatado o descumprimento, será retomado.

Já a Rede Globo assume a obrigação de renunciar aos direitos de preferência da transmissão dos jogos de 2009, 2010 e 2011, em TV por assinatura, TV aberta, pay-per-view e telefonia móvel. Mas essa renúncia não interfere na liberdade da Globo de comprar os direitos das mídias de forma isolada, ou até mesmo de todas as mídias, das temporadas de  2012 e seguintes anos. Tais renúncias deverão ser formalizadas por meio de alterações contratuais a serem celebradas entre a Globo e o Clube dos Treze. Se por qualquer razão não for possível fazer referidas alterações, a Globo deverá apresentar ao Cade um termo de renúncia.

O Compromisso assinado pela Rede Globo vigorará pelo prazo compreendido entre a publicação do TCC no Diário Oficial da União e a publicação da decisão do Cade atestando o cumprimento das obrigações assumidas. O processo administrativo ficará suspenso durante o Compromisso.

Analisando o processo, pode-se notar que pouca coisa foi alterada na forma como ocorrem a venda e a transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro da Série A.

Poucas mudanças

A única mudança real que as partes terão que fazer a partir dos termos de compromisso é excluir a cláusula de preferência, que garantia a Rede Globo grande vantagem sobre as demais concorrentes.

Quanto à exclusividade, apesar da SDE ter apresentado diversos benefícios com o fim dessa cláusula, principalmente para os consumidores, o Cade sustenta que ela pode ser benéfica e, portanto continua sendo legal. Essa resolução não ajuda a diminuição do monopólio por parte da emissora vencedora dos certames, tanto por parte da Rede Globo como pelas concorrentes. Um exemplo disso foi a transmissão dos jogos Panamericanos com exclusividade pela Rede Record.

A transmissão de eventos esportivos já se mostrou um dos principais atrativos de audiência e publicidade na mídia brasileira, e mesmo assim a transmissão do Campeonato Brasileiro da Série A é feita de forma a beneficiar o lucro dos times e das emissoras, em detrimento do consumidor, que não conta com variedade de jogos e nem melhoria nas transmissões, devido à falta de concorrência.

 

Notas  

[1] A Lei nº 8884/94, estabelece em seu art. 30 que a Secretaria do Direito Econômico, SDE, deve promover as gestões necessárias com vistas à apuração dos fatos e adoção das medidas cabíveis a cada processo.

[2] O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, CADE, é um órgão autárquico desde a promulgação da lei nº 8884. O CADE é uma espécie de tribunal administrativo, com funções quase-judiciais, vinculado ao ministério da justiça. “Suas decisões são irrecorríveis administrativamente (art. 50), embora não seja raro que as partes vencidas recorram ao próprio CADE, mesmo sem fundamento legal” (AGUILLAR, F. H. Direito econômico – Do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 231).